BLOG DO VICENTE CIDADE

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quarta-feira, 6 de março de 2013

A voz e a vez dos excluídos

João Salame: – “Não sobra dinheiro… Uma verdadeira casta que se consolidou e sangra os recursos públicos”

Com o título “A voz e a vez dos excluídos”, artigo do prefeito de Marabá, João Salame, analisa a luta travada pelo ex-presidente Lula para dar espaço e oportunidades aos excluídos.

O texto aborda a necessidade dos “deserdados se organizarem”, alertando para questionamentos básicos questões como o modelo de administração dos recursos públicos.

“Talvez esteja na hora de debatermos não o máximo que deve ser gasto com o funcionalismo, mas o mínimo que deve ser gasto dos recursos públicos com a sociedade através de políticas públicas.”

A seguir, a íntegra do texto do prefeito de Marabá:

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A voz e a vez dos excluídos
(*) João Salame

Muitos críticos podem dizer que o PT se transformou e, em alguns casos, para pior. Que se rendeu a velhas práticas da política. Há muito de verdade nisso.


Mas o partido não consegue ser superado por outras organizações de esquerda porque mantém ainda sólido vínculo com a maioria da população deserdada das políticas públicas.


Não gosto de personalizar as coisas, aposto muito nas ações coletivas, mas essa façanha se deve muito a intuição política de uma personalidade: Lula. Ele mesmo. Tão defenestrado por seus adversários nos últimos dias. Mas cada vez mais amado pelas parcelas menos favorecidas da sociedade.


No início da década de 80, Lula entendeu que a velha forma de representação política da esquerda, representada pelo partido comunista, havia falido. Que a concepção autoritária de partido não dava mais conta dos anseios da sociedade. Identificou que era hora de colocar as grandes massas como agente político e comandou a organização do setor de vanguarda do operariado, através do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, berço do sindicalismo combativo.


Viu mais longe: enxergou a necessidade de estimular a participação política dos deserdados, dos que não tinham vaga nos partidos para se candidatar e lançou-se na organização do Partido dos Trabalhadores. Estimulou ainda instrumentos como o orçamento participativo, formação de conselhos e outras formas de representação popular. Em pouco tempo, nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional começaram a aparecer trabalhadores rurais, operários, domésticas, semianalfabetos, negros, homossexuais e outros segmentos discriminados da sociedade.


O sindicalismo se fortaleceu. O PT conquistou o poder central. As coisas começaram a mudar. Em muitos casos para melhor. Em outros para pior. O chamado mensalão é apenas um produto de uma mudança de postura em relação ao status quo. O sindicalismo e o movimento estudantil perderam autonomia e passaram a representar corporações a cada dia mais interessadas em sua autopreservação e sem nenhum compromisso com as causas maiores da sociedade.


O movimento de professores, do funcionalismo, dos trabalhadores rurais e de diversos segmentos organizados descolaram-se da sociedade. Ao contrário, passaram a brigar contra ela exigindo cada vez mais recursos públicos em benefício próprio, e deixando de lado o sentimento de generosidade para com os setores excluídos.


Para deter um pouco essa pressão cada vez maior por nacos do dinheiro público editou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma cria do PSDB, mas que logo o PT e todos os democratas entenderam como instrumento correto para deter a completa sangria dos recursos públicos. Talvez esteja na hora de debatermos não o máximo que deve ser gasto com o funcionalismo, mas o mínimo que deve ser gasto dos recursos públicos com a sociedade através de políticas públicas.


De outro lado, os partidos políticos e suas lideranças, representando essa “nova organização” da sociedade, também aumentaram seu apetite pela autopreservação. A consequência foi o aumento das verbas parlamentares, do empreguismo, dos privilégios, das benesses. No Judiciário ocorreu o mesmo movimento.


Lideranças políticas e movimento social organizado se deram às mãos para comandar o orçamento público. A briga é para saber quais partidos e seus aliados comandam o botim. Dirigentes partidários, prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores, secretários, ministros, o poder judiciário, o funcionalismo público e meia dúzia de empresários representam menos de 3% da população no Brasil, nos Estados e nos Municípios. No entanto, na maioria das vezes, abocanham mais de 90% dos recursos públicos.


Não sobra dinheiro pra melhorar a saúde, a educação, a infraestrutura das cidades. Uma verdadeira casta que se consolidou e sangra os recursos públicos. Com raras e honrosas exceções.


Quando a essa casta se agregam algumas categorias organizadas da sociedade o controle sobre o orçamento é quase total. Não sobra praticamente nada para a grande massa de excluídos. Daí o PT, em muitas cidades, já começar a ser enxergado como igual aos demais. Ter começado a perder sua natureza transformadora, por ter se rendido a essas corporações.


Como o governo federal tem mais recursos que os estaduais e municipais, existe no orçamento da União uma margem um pouco maior de manobra para conceder um pouco mais aos excluídos. Isso mantém a fleuma do PT.


Lula entendeu na década de 80 que a vez era do movimento social organizado. O PT “bombou”. De uns tempos para cá ele percebeu que é a vez dos excluídos. Consolidou o bolsa-família como política compensatória para os segmentos mais fragilizados e desorganizados da sociedade e empreendeu várias outras políticas para esses setores.


Ainda é pouco.


Na última quinta-feira participei do 14º. Encontro Nacional do Morhan – o movimento que combate o preconceito e luta em defesa dos hansenianos. Tive a honra de ser um dos 35 personagens homenageados pelo movimento.


Lula estava lá.


No seu discurso foi na ferida: “os empresários, os professores, o pessoal da cultura, os sindicatos, conseguem muito do que querem junto ao governo. E os excluídos? Tudo pra eles é difícil. Nós temos que inverter essa lógica e mostrar que pra eles tudo é possível”, falou.


Foi ovacionado.


Foi emocionante.


Enquanto boa parte da esquerda, inclusive a que se diz revolucionária, continua presa aos velhos clichês, continua aprisionada pelo corporativismo de boa parte dos líderes sindicais e da chamada sociedade civil organizada, Lula percebeu, ainda que intuitivamente, que o Estado precisa distribuir mais seus recursos para os deserdados.


Que todo o dinheiro não pode ser gasto apenas com os setores mais organizados da sociedade. Por isso continua amado pelo seu povo.


Na sua sensibilidade está a possibilidade do PT se reciclar novamente, ainda que o partido possa fazer essa transformação sem ter a compreensão teórica da necessidade real dessa mudança.


Não quero com esse texto me colocar contra os movimentos organizados da sociedade e categorias importantes como a dos professores, dos trabalhadores rurais e do funcionalismo. Eles são muito importantes.


Sempre respeitei e defendi a luta organizada dos trabalhadores.


Ao contrário, avalio que os deserdados é que precisam se organizar. Eles são a maioria.


O que critico é o fato de que a maioria da vanguarda desses movimentos perdeu a sensibilidade, luta apenas por suas corporações e se esquece da maioria da sociedade. Defende os excluídos apenas na retórica. Quando se junta a políticos apenas interessados em seus privilégios, a sociedade paga um preço alto.


“Igualdade, liberdade e fraternidade”. Nunca, como agora, essas bandeiras da gloriosa Revolução Francesa foram tão atuais.


Eu, em crise com o meu partido, que sempre apostei no coletivo, confesso que me sinto um pouco lulista. Ele está sendo uma voz quase solitária em defesa dos excluídos. A cada dia eles se multiplicam, com a internet se comunicam e em pouco tempo vão tornar pó as cúpulas partidárias, as estruturas sindicais e a atual forma de representação política, que completa duzentos anos sem se dar conta que o mundo mudou.


(*) João Salame é jornalista e prefeito de Marabá

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