Duplo espanto
Antonio Delfim Netto
Fomos surpreendidos semana passada por dois fatos: 1º) a redução da taxa Selic de 12,50% para 12% ao ano, promovida pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central e 2º) a reação hidrofóbica de analistas do mercado financeiro que se pensam portadores da "verdadeira" ciência monetária. Para estes, o Copom teria violado não só as recomendações da tal "ciência", como teria comprometido, irremediavelmente, a credibilidade do Banco Central.
Qual a razão da crítica fumegante? Segundo seus autores, a decisão "foi claramente política" e desrespeitou os cânones da "ciência" que supõem praticar.
O Copom teria trocado sua "autonomia operacional" pelas graças do governo... Para alguns, reforçou-se, assim, a necessidade de reconhecer que essa "autonomia" é insuficiente: o BC precisa mesmo, é ser "independente" do poder incumbente que ignora a ciência e é corrupto por definição!
O poder eleito por 60 milhões de votos deve entregar a condução da política monetária a meia dúzia de sacerdotes não eleitos, com mandatos irrevogáveis que supostamente conhecem e professam a religião da salvação monetária!
Tais críticas têm duas fraquezas: 1º) a tal "ciência monetária" não existe. A política monetária deve ser uma combinação de sólidos conhecimentos da situação conjuntural e de como reagem os agentes econômicos (trabalhadores e empresários) ante as manobras da taxa de juros real.
Ela é uma "arte" que comporta visões alternativas diante das incertezas do futuro. Como os efeitos monetários se fazem sentir ao longo do tempo, só este é capaz de dizer "a posteriori" se a perspectiva escolhida foi certa ou errada.
Estando o mundo caindo aos pedaços, é muito provável que a adotada pelo Copom possa materializar-se. Seria ridículo repetir o que os mesmos analistas recomendaram em 2008: "esperar para ver" e 2º) a acusação que o "BC rendeu-se ao governo" é irresponsável, injusta e arrogante.
Irresponsável, porque colhida furtivamente de "fontes preservadas" e que talvez seja apenas imaginação conveniente, desmentida, aliás, pela existência de votos divergentes. Injusta, porque pela primeira vez em duas décadas o Banco Central é, efetivamente, um órgão de Estado, com menor influência do setor financeiro privado. E arrogante, porque supõe que nenhuma visão e interpretação da realidade que não seja a sua possa ser adequada.
É hora de saudar a "estatização" do BC e a sua decisão.
Se ela continuar, como tudo indica, apoiada pela política fiscal de longo prazo do governo Dilma, teremos iniciado a resolução do maior enigma brasileiro: a normalização da teratológica taxa de juros real que nos acompanha.
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