Megaeventos, quem vai pagar a conta?
Por KATIA MARKO*
O investimento de dinheiro público para a realização de megaeventos, como Copa do Mundo e Olimpíadas, desvia recursos que poderiam ser aplicados em áreas fundamentais como saúde e educação. O professor Gilmar Mascarenhas, da UERJ, avalia o legado desses projetos para a sociedade.
O professor de geografia diz que nos últimos anos o Brasil optou por se projetar mundialmente através dos megaeventos, mas que o custo disso quem paga é o cidadão. “Os efeitos desses eventos são dívidas e o desfinanciamento de áreas como a saúde e a educação. No ano do Pan, o Rio enfrentou sua maior epidemia de dengue. Todo o dinheiro estava comprometido com os jogos. Os eventos são para assistir e não para desenvolver o esporte”, explica.
Segundo ele, hoje os eventos esportivos carregam interesses econômicos, políticos, sociais e ideológicos. E por demandar um investimento cada vez maior, a sociedade civil começou a exigir e discutir o legado desses eventos.
Leia a íntegra da entrevista. É longa e esclarecedora, ótima para se ler num domingão antes do futebol:
Você defendeu sua tese de doutorado em 2001 sobre a presença do futebol na evolução urbana brasileira e, desde então, vem pesquisando o tema dos esportes na vida urbana. Que conclusões você chegou?
Gilmar Mascarenhas – Em 2003 eu comecei a estudar os impactos dos Jogos Panamericanos sobre a cidade. Elaborei um histórico sobre grandes eventos esportivos (Jogos Olímpicos, Panamericanos, Copa do Mundo) para verificar que tipo de impactos e arranjos de políticas urbanas foram sendo feitos. O que encontramos nesses estudos é que quase sempre você tem a gestão urbana como um duelo entre interesses sociais e das grandes empresas. Esses grandes eventos se tornaram uma porta, para que através de uma situação extraordinária, grandes projetos urbanos capitalistas, encontrem uma ocasião especial para se impor, a despeito dos regulamentos urbanísticos e ambientais e dos interesses sociais.
Também verifiquei que, durante uma época muito extensa, havia nesses grandes eventos uma relativa preocupação com o interesse social. Um exemplo disso, era a destinação das vilas olímpicas para habitações de média e baixa renda. Isso se verificou da década de 1950 (no contexto do Estado de Bem Estar Social) até 1980, em Moscou. Já a partir de 1988, em Seul, as vilas olímpicas passam a ser projetos de habitação, digamos, para classes sociais mais altas.
No meu estudo verifico dois processos que vinham andando de maneiras distintas e independentes. Um deles, no âmbito da gestão do esporte, eram as mudanças, a maneira como o esporte se organiza, enquanto uma indústria. De outro lado, uma mudança na questão da gestão urbana, do planejamento urbano. Esse último é mais conhecido. Sabe-se que depois das décadas de 1970, 1980 esse modelo de plano diretor ou master plan, planejamento compreensivo e tal, ele começa a entrar num desgaste. Começa o discurso de que faltam recursos para o Estado e consequentemente a defesa do “Estado Mínimo”, da doutrina neoliberal. Enfim, há todo um movimento que vai fazer emergir o que seus defensores chamam de planejamento estratégico. E, ao mesmo tempo, essa mudança que o David Harvey coloca muito bem que é a guerra entre os lugares. Que o capital está muito mais fluido no planeta, e aí as cidades teriam que competir entre si para atrair mais investimentos. É uma guerra de marketing, decity marketing. Bom, isso no âmbito da gestão urbana.
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