No início dos anos 80, o Flamengo teve a equipe mais vitoriosa de sua centenária história. Com as conquistas, entre outras, do Mundial Interclubes e da Libertadores de 1981 e de três títulos brasileiros em quatro anos (80, 82 e 83). Naquele time, brilhavam jogadores titulares absolutos da Seleção, como Zico, Júnior e Leandro. Além de outros destaques, como Raul, Tita, Nunes e um meio-campista que marcou seu nome para sempre no Rubro-Negro: Adílio, o terceiro atleta que mais partidas disputou pelo clube, com 615 jogos, menos apenas que os companheiros Júnior (834) e Zico (732).
Para homenagear o titular absoluto daquele time histórico do Fla, o escritor Renato Zanata lança nesta segunda-feira, dia 13, a biografia “Adílio – o camisa 8 da Nação”, na livraria da Travessa, em Ipanema, Zona Sul do Rio. No dia 15, o ex-jogador completa 57 anos.
Na opinião de Zanata, o parceiro de Zico na Gávea foi injustiçado na seleção brasileira e teria totais condições de repetir a dupla com o Galinho na Copa do Mundo de 82, na Espanha. E tinha um estilo que poderia ser comparável ao de Xavi e Iniesta, craques do Barcelona e da seleção espanhola. Confira a entrevista com o autor da biografia do “Brown”, como Adílio era chamado pelos companheiros de time.
Como você definiria o papel do Adílio naquele time que é considerado o melhor Flamengo de todos os tempos?
- O Adílio dividia com o Zico a batuta de maestro daquele baita time do Flamengo. Atuando como segundo homem de meio-campo, tendo a meia direita como referência, mas com liberdade para se movimentar por todos os setores da cancha, era o protagonista na transição ofensiva do rubro-negro carioca. Era ele quem mais ditava o ritmo e a direção da bola na saída da defesa para o ataque, enquanto que o Galinho articulava o jogo do escrete da Gávea nos últimos 30 metros de campo. Isso, quando os dois não invertiam o posicionamento e consequentemente as tarefas, e também superavam o bloqueio tático adversário. Zico recuava, enquanto Adílio se lançava ao ataque para esperar um lançamento do próprio Galo ou fazer o pivô, escorando um passe do camisa 10, lhe devolvendo a cortesia com uma assistência açucarada. Naquele primeiro jogo contra o Cobreloa pela final da Libertadores de 81, em partida realizada no velho Maraca, o primeiro gol do Flamengo, marcado pelo Zico, saiu assim.
Adílio foi um jogador polivalente, com ótima produtividade atuando tanto como volante quanto como meia (foi camisa 10 durante toda a divisão de base). Ou usando a beirada esquerda do ataque como referência, posicionamento que ocupou em jogos que valeram ao Flamengo importantes conquistas.
Você acha que o Adílio teve a importância dele um pouco ofuscada, reduzida, por ter jogado ao lado de Zico e Júnior? Se tivesse jogado em outra época, acredita que ele poderia ter um reconhecimento maior?
- No Flamengo, não. Sempre constatei (cresci indo ao Maracanã e ao Caio Martins para ver aquele timaço jogar) nas resenhas em que participei com amigos de infância ou aquelas que eu apenas escutava quando estava perto dos flamenguistas mais velhos do que eu, a grande importância que a torcida do Flamengo dava ao futebol do Adílio. Hoje, tanto pelo contato direto nas ruas, quanto através das redes sociais, constato a mesma coisa. O torcedor rubro-negro sabe e multiplica com orgulho que o Adílio também é considerado, assim como o Nunes, um “Artilheiro das Decisões”, por ter marcado gols importantes em várias finais de campeonato. Como, por exemplo, no Japão contra o Liverpool na decisão do Mundial Interclubes e no último jogo da decisão do Brasileiro de 1983, contra o Santos, no Maracanã.
Mas, claro, o fato do Zico e do Júnior terem frequentado inúmeras vezes as listas de convocações dos técnicos Claudio Coutinho e Telê Santana, e o Adílio só ter atuado com a amarelinha em duas ocasiões, realmente foi uma desvantagem para ele no que diz respeito a um maior reconhecimento do talento dele por parte dos amantes do futebol de uma forma geral, mas não dentro do “território da Nação”.
Você acredita que o Adílio foi injustiçado na seleção brasileira? Ele poderia ter jogado a Copa de 82, por exemplo?
- Sim. Inclusive este foi um forte motivo que me levou a escrever a biografia dele. Deixar registrado para os torcedores brasileiros, principalmente os não flamenguistas, que o Adílio tinha futebol de sobra para integrar aquele grupo que disputou a Copa do Mundo de 1982, na Espanha.
Ao trabalhar no projeto do livro “Sarriá 82, o que faltou ao futebol-arte?”, parceria com o jornalista Gustavo Roman, eu entrevistei o Adílio porque quis aproveitar o tema para registrar que ele poderia ter ido, por exemplo, no lugar do Dirceu. Além de também possuir um invejável preparo físico, Adílio era bem mais técnico e criativo do que o, na época, jogador do Atlético de Madrid.
Adílio, que, aliás, fez uma partidaça contra a Alemanha no Maracanã poucos meses antes da Copa, tinha o perfil técnico mais adequado para atuar ao lado de feras como Zico, Falcão, Leandro, Sócrates e Júnior. Jogadores com uma habilidade mais apurada para trocar passes curtos, gerar a tabela, a triangulação e fazer a bola rodar com qualidade e produtividade por todo o campo ofensivo.
Um Adílio, que no Flamengo já demonstrava tal afinidade tática e técnica com os rubro-negros citados, poderia ter sido escalado também no lugar do Serginho Chulapa (limitado tática e tecnicamente), com o Sócrates passando para a função de centroavante (mais mobilidade e visão de jogo que o Chulapa). Neste caso, ele atuaria numa linha de 3 meias. Adílio caindo mais pelo lado direito do ataque, mas com liberdade para inverter o posicionamento com o Galinho e com o Éder. E o “camisa 8 da Nação” também poderia atuar na vaga do próprio Éder, pois estava acostumado a jogar, e bem, como um meia que usava como referência a beirada esquerda do campo ofensivo, setor onde sempre se entendeu muito bem com o maestro Júnior, seu companheiro naquele histórico escrete da Gávea.
Você vê algum (ns) jogador (es) no futebol atual cujo estilo pudesse ser comparado ao do Adílio?
- Sem cair na armadilha de querer comparar o “tamanho do futebol” de gerações distintas, posso dizer que hoje, taticamente e também pela grande qualidade técnica que possuem, Xavi e Iniesta representam respectivamente, para o Barcelona e para a seleção espanhola, o mesmo que o Adílio representava para aquele baita Flamengo do final dos anos 70 e começo dos anos 80.
O Xavi que carimba a pelota com maestria e tem visão de jogo diferenciada na transição ofensiva da equipe, atuando por dentro, e o Iniesta da Fúria, fechando o meio-campo ao recuar para auxiliar o seu lateral na marcação e explorando o lado esquerdo do ataque buscando mais o drible, a jogada individual, escalado próximo à beirada da cancha por aquele setor.
Na sua pesquisa, encontrou muitas histórias, curiosidades sobre a carreira dele que surpreenderam você? Poderia citar alguma (s)?
- Sim, por mais que eu tenha vivido aquele período de perto, indo aos estádios e colecionando matérias de jornais na época ou gravando programas de rádio em um jurássico gravador de fita K7, eu descobri muita coisa sobre a vida do Adílio agora, durante o processo de elaboração da sua biografia. Como, por exemplo, que ele e o Tita atuaram na preliminar daquele amargo 6 a 0 que o Botafogo de Jairzinho aplicou no Flamengo em 1972. E ainda no Maracanã após o chocolate alvinegro, juraram que um dia devolveriam o placar para cima do time da Estrela Solitária. E nove anos depois, feito!
E também está registrado no livro o encontro de Adílio com um admirado técnico da União Soviética, que após assistir ele comer a bola contra os alemães no Maracanã, dava como certa a escalação do “Neguinho bom de bola” contra a sua equipe na Copa de 1982.
Como foi a saída dele do Flamengo para o Coritiba em 87? Houve alguma problema na época dele com o clube? Ele manifesta hoje alguma mágoa?
- Começo respondendo revelando um trecho do meu livro: “Desmentindo os cartolas rubro-negros, que na época disseram que haviam dado a ele passe livre e o dinheiro total da negociação com o Coritiba, Adílio conta que chegou a pedir a renovação de contrato em conversa com Márcio Braga, já que em maio de 1988, aos 32 anos, mais de dez servindo ao Flamengo como jogador profissional, teria então, nos termos do art. 26 da Lei nº 6.354/76, direito ao passe livre. Entretanto, o presidente rubro-negro preferiu vendê-lo antes.”
Segundo o próprio Adílio, os cartolas, e tão somente eles, é que resolveram tudo naquela negociação.
Sobre a partida especificamente, foi duro para o Adílio ter que jogar contra o seu clube do coração sem ter sido dele a decisão de deixar a Gávea, e ainda por cima, tendo o Maracanã como palco daquela incômoda peleja (vencida pelo Flamengo por 3 a 1).
Porém, ter sido muito bem recebido no estádio pela imensa Nação Rubro-Negra, e por estar vivendo um bom momento técnico no Coxa, conseguiu reunir forças para encarar aquele que foi mais um grande desafio em sua vida. Três dias antes do jogo contra o Flamengo, Adílio (com média, 7.33) ocupava o segundo lugar no ranking da Bola de Prata para a posição de ponta de lança, superando nomes como o de Assis, do Fluminense, e Pita, do São Paulo.
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