Sem toga: juiz esculhamba jornalista no Facebook e diz que agiu certo ao condenar Lúcio Flávio Pinto por chamar grileiro de “pirata fundiário”. Mas diz que presidente do Senado, José Sarney, é assaltante dos cofres públicos.
Aparentemente, o juiz Amilcar Guimarães é um sujeito inteligente, bem humorado e dono de um comportamento que é até de se comemorar: longe de se esconder atrás da toga ou de distribuir ameaças de processos judiciais, prefere é esculhambar, via rede sociais, quando se sente ofendido.
É uma atitude bem diferente daquela que costumamos ver na maioria dos nossos magistrados, especialmente, no estado do Pará.
Por vezes, recorrem até à censura – ainda que ela seja imoral e ilegal – agindo como verdadeiros marginais, já que não respeitam a Lei.
Por vezes, tratam de ajuizar ações por dano moral, cujo desfecho toda a sociedade é capaz de antecipar, tendo em vista o espírito de corpo da Magistratura.
Daí que é preciso saudar, em vez de condenar, a atitude do juiz Amilcar Guimarães, que preferiu desancar o jornalista Lúcio Flávio Pinto através do Facebook.
Assim, o cidadão Amilcar Guimarães abriu a possibilidade para um debate democrático acerca da sentença que proferiu, em 2006, na qual Lúcio Flávio Pinto foi condenado a indenizar o megagrileiro, hoje já falecido, Cecílio de Rego Almeida.
Podemos discordar dos termos que usou para se referir a Lúcio, chamando-o de “bestalhão” e de “pateta”, por exemplo.
Podemos achar deplorável que Amilcar, um juiz, considere justificável a agressão física de Ronaldo Maiorana contra Lúcio Flávio Pinto.
Mas não podemos é cercear o direito de manifestação do magistrado, inclusive com ameaças de levá-lo às barras do CNJ por causa disso.
Isto posto vamos, então, ao “desabafo” do magistrado.
Em primeiro lugar é lamentável que qualquer cidadão, especialmente, um juiz, considere merecidos os “sopapos no meio da fuça” aplicados em Lúcio Flávio Pinto por Ronaldo Maiorana.
Se Ronaldo se sentiu ofendido, que encaminhasse uma carta ao jornal de Lúcio, o Jornal Pessoal, ou até recorresse à Justiça. Mas agredir fisicamente um jornalista só porque ele publicou uma informação, aí já é mais que demais.
Informação é um bem público; a liberdade de imprensa é cláusula pétrea, sagrada, da Constituição. A ninguém é dado reprimir, suprimir ou ameaçar de qualquer forma tal direito, duramente conquistado pelas sociedades humanas.
Além disso, é função da Justiça punir comportamentos violentos, como o de Ronaldo Maiorana naquela ocasião.
Daí que ao fazer apologia desse tipo de selvageria, o juiz Amilcar Guimarães demonstra que precisa urgentemente rever os seus conceitos, eis que não se pode estar nos dois lados ao mesmo tempo: ou se é favor ou contra o estado democrático de direito. É simples assim.
Em suma: Amilcar deveria era se desculpar publicamente pelo péssimo exemplo aos demais cidadãos.
Em segundo lugar, ninguém discute o direito de Cecílio Rego Almeida ter recorrido à Justiça. O que se discute é a decisão da Justiça de condenar um jornalista por divulgar informações - e num caso comprovado de grilagem de terras públicas.
Daí que não tem sentido a desculpa esfarrapada de Amilcar de que, dada a infinidade de recursos da Justiça brasileira, tudo o que um juiz de primeiro grau faz é um “projeto de decisão”.
Data vênia, isso é papo furado. Uma decisão em primeiro grau não tem tamanha “desimportância” e, muitas vezes, acaba é sendo determinante para o curso processual.
Assim, não adianta o juiz Amilcar Guimarães querer diminuir a sua participação nessa condenação absolutamente vergonhosa do jornalista Lúcio Flávio Pinto. Uma condenação que colocou no banco dos réus, de uma vez por todas, o próprio Judiciário paraense.
De igual forma, não adianta o magistrado querer creditar a indignação da sociedade paraense à uma atitude “politicamente insana”, como se estivéssemos “hipnotizados” por uma batalha do dragão da maldade contra o santo guerreiro; ou seja, como se o nosso comportamento fosse puramente emocional e até “primitivo”.
Não há nada de emocional na grande corrente de solidariedade em torno de Lúcio.
Ninguém está com “peninha” do Lúcio, o “coitadinho”, a “irmã Dorothy do jornalismo paraense”.
A questão aqui é muito mais profunda; não tem nada a ver com essa babaquice de bem contra o mal.
Trata-se, em verdade, da luta da sociedade paraense pela Democracia; por direitos fundamentais de todos nós: à Expressão, à Informação, à Legalidade, à Justiça.
Como condenar um jornalista por noticiar o roubo de terras públicas?
Como condenar um cidadão por chamar de pirata fundiário alguém que é flagrado pilhando, se apropriando de milhões de hectares pertencentes a toda a sociedade?
Ou será que agora a imprensa terá de indenizar o Fernandinho Beira Mar por chamá-lo de bandido?
Então, quem deveria ter sido condenado era Cecílio Rego Almeida – e não Lúcio Flávio Pinto.
Mas o Judiciário paraense, a começar pelo doutor Amilcar Guimarães, resolveu perverter a lógica e agir à margem da Lei.
Além disso, causa espécie que o doutor Amilcar Guimarães tenha visto tamanha ofensa na expressão pirata fundiário, quando ele mesmo, Amilcar, em seu Facebook, diz que o presidente do Senado, José Sarney, assalta, há 50 anos, os cofres públicos...
Quer dizer: o doutor Amilcar pode chamar Sarney de assaltante, mas o jornalista Lúcio Flávio Pinto não pode chamar Cecílio de Rego Almeida de pirata fundiário?
Quanto às motivações do doutor Amilcar Guimarães para tão impressionante sentença, ele tem todo o direito de se sentir ofendido por insinuarem, segundo diz, que ela teria decorrido de corrupção.
No entanto, o douto magistrado há de convir que tais suspeitas não nasceram do nada, mas, do comportamento de alguns de seus pares.
Daí que deveria voltar a sua artilharia não contra Lúcio Flávio Pinto, mas, contra todos aqueles magistrados que emporcalham o Judiciário paraense.
Por fim, é certo que convicções retrógradas, como a do doutor Amilcar Guimarães, não são passíveis de condenação judicial e nem podem ser simplesmente suprimidas.
No entanto, quem as defende não pode imaginar que escapará ao julgamento daqueles que lutamos – e somos a maioria – por um Pará verdadeiramente democrático.
Quem foi condenado não foi simplesmente o cidadão Lúcio Flávio Pinto, mas, a própria Constituição.
E é por tal crime, de lesa-Constituição, que têm de responder perante a sociedade o doutor Amilcar e o Judiciário paraense, no presente e no futuro.
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Abaixo você confere o “desabafo” do juiz Amilcar Guimarães em seu Facebook em relação ao jornalista Lúcio Flávio Pinto:
E aqui a opinião do mesmíssimo Amilcar sobre o presidente do Senado, José Sarney:
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Abaixo, release do grupo de apoio a Lúcio Flávio, sobre o ato de solidariedade amanhã, terça-feira, no auditório do Ministério Público:
Ato de solidariedade a Lúcio Flavio Pinto
No próximo dia 6 de março (terça-feira), às 18 horas, haverá um ato de solidariedade ao jornalista Lúcio Flávio Pinto, que vem sofrendo pressões, ameaças e processos judiciais por conta do seu ofício de informar, defender o direito à informação do cidadão e denunciar as investidas dos poderosos contra o patrimônio da Amazônia.
O evento será realizado no auditório do Ministério Público Federal e contará com a presença de representantes de diversas entidades e personalidades comprometidas com a luta pela democracia e liberdade de expressão.
Farão parte da mesa de debate a presidente do Sindicato dos Jornalistas do Pará, Sheila Faro; o presidente da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, Marco Apolo; o procurador da República, Felício Pontes; o professor e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA, Jeronimo Treccani; a pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ima Vieira; e a jornalista e professora do curso de Comunicação Social da UFPA, Rosaly Britto.
Está sendo produzido um vídeo, que mostra a participação de Lúcio Flávio Pinto em diversos programas e documentários sobre a sua atividade profissional. Programado, também para o evento, a venda de exemplares do Jornal Pessoal e livros produzidos pelo jornalista. Antes do encerramento do ato serão discutidos os rumos da campanha de solidariedade a LFP.
A perseguição política contra Lúcio Flávio Pinto já soma 20 anos desde o primeiro processo, em 1992. No total, são 33 processos judiciais cíveis e penais contra o jornalista, que tem se dedicado a sua função de investigar, checar informações e denunciar ações ilegais, corrupção, crimes contra o interesse e o patrimônio público, além de irregularidades no exercício da função pública.
Em 1999, o Jornal Pessoal denunciou Cecílio Rego de Almeida, dono da construtora C.R. Almeida. O empresário grilou uma área de 4,7 milhões de hectares de terras públicas, no Pará.
O conhecido “pirata fundiário” processou o jornalista por suposta “ofensa moral”. O Tribunal de Justiça do Pará aceitou a queixa e condenou Lúcio à indenização de R$ 8 mil; ele recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, mas no último dia 7 de fevereiro o STJ negouseguimento ao recurso, arquivando-o, sob alegação de “erros formais”.
O ato de solidariedade a Lúcio Flávio Pinto faz parte da campanha “Liberdade para Lúcio Flávio Pinto, que já conta com o blog somostodoslucioflaviopinto.wordpress.com e um grupo do Facebook (Pessoal do Lúcio Flavio Pinto).
Mande uma mensagem de repúdio para a empresa de Cecílio Rego de Almeida, no seguinte endereço eletrônico:http://www.cralmeida.com.br
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