Altamiro Borges: A blogosfera e a luta pela democracia
Altamiro Borges
No final de junho, em Brasília, 369 ativistas digitais de 21 estados se reuniram no II Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas – movimento também já batizado de BlogProg. O eixo central do evento foi a luta pela democratização da comunicação, que se expressa em três grandes bandeiras: por um novo marco regulatório para o setor; pela implantação e aperfeiçoamento do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL); e contra qualquer tipo de censura à rede. Com isso, a blogosfera progressista se somou a outros setores da sociedade na luta pela ampliação da democracia no país, que passa obrigatoriamente pelo fim da ditadura midiática.
O BlogProg teve início em meados de 2010 como contraponto às manipulações da mídia demotucana nas eleições presidenciais. A idéia de reunir os blogueiros num primeiro encontro nacional surgiu em 14 de maio, durante a assembléia de fundação do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Em curto espaço de tempo, a proposta ganhou aderência e, em agosto passado, cerca 300 ativistas participaram do I BlogProg, em São Paulo. De lá para cá, o movimento da blogosfera progressista cresceu em influência na luta de idéias e ganhou maior organicidade – sempre respeitando a sua rica diversidade e pluralidade.
Os avanços do II BlogProg
Entre outros méritos do segundo encontro nacional, vale destacar quatro. O movimento, iniciado por alguns dos blogueiros mais influentes do país – como Paulo Henrique Amorim, Luis Nassif, Rodrigo Vianna, Luiz Carlos Azenha, Conceição Oliveira, Eduardo Guimarães e Renato Rovai –, adquiriu maior representatividade e enraizamento. No processo de preparação do II BlogProg foram realizados 14 encontros estaduais e dois regionais, que reuniram 2.180 ativistas digitais. A presença de jovens, que encontram na internet uma nova forma de militância e não têm vida orgânica em partidos ou sindicatos, foi uma das marcas destes encontros.
O segundo aspecto positivo é que o movimento adquiriu maior legitimidade, cacifando-se como um ator relevante na luta política e de idéias na sociedade. O ex-presidente Lula participou da abertura do evento, fazendo duras críticas à partidarização da mídia hegemônica e efusivos elogios à blogosfera por seu papel na democratização da informação. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, demonstrou uma postura aberta ao enfrentar as críticas dos blogueiros às limitações do PNBL e à ausência do projeto de regulação da mídia. O governador do Distrito Federal, parlamentares de diversos partidos e inúmeras lideranças de expressão – como José Dirceu, Renato Rabelo, Brizola Neto e Luiza Erundina – também prestigiaram o evento.
Unidade na rica diversidade
O terceiro mérito que é que II BlogProg conseguiu manter a unidade na diversidade deste movimento tão amplo e plural. O ponto de convergência do primeiro encontro foi a denúncia das manipulações da mídia demotucana e golpista na batalha sucessória. A reação à ditadura midiática conseguiu unir jornalistas de renome e ativistas sociais da internet, militantes de diversos partidos e lutadores inorgânicos. Havia risco das divergências se avolumarem, inviabilizando a continuidade do movimento. Mas, com total respeito à horizontalidade e à pluralidade da rede, foi possível encontrar mais pontos de convergência do que de cisão. Para isso foi fundamental manter uma estrutura sem hierarquias verticalizadas, sem donos ou aparatos.
Por último, vale destacar que o II BlogProg avançou na sua organicidade. A sua comissão nacional organizadora foi ampliada, com a presença de representantes das cinco regiões do país. Ela não tem qualquer papel de “direção” do movimento, de centralização na rede, mas apenas de estimular a realização de encontros, multiplicar o número de ativistas digitais e melhorar a qualidade dos blogs. O III BlogProg já está marcado para maio, na Bahia. Antes disto, no final de outubro, ocorrerá o primeiro encontro mundial de blogueiros, em Foz do Iguaçu. Vários estados também já organizam eventos regionais para enraizar ainda mais o movimento. Com espírito amplo, plural e democrático, é possível alavancar em muito a força da blogosfera progressista no Brasil.
A força crescente da blogosfera
A tendência é que a blogs e as redes sociais ocupem um papel cada vez mais relevante na luta de idéias na sociedade brasileira. A batalha presidencial do ano passado já confirmou o enorme potencial desta nova forma de militância social. Os ativistas digitais ajudaram a desmascarar várias tramóias da mídia demotucana. Esta se comportou como autêntico “partido do capital”, como já havia ensinado o comunista italiano Antonio Gramsci. No auge da campanha eleitoral, a velha mídia se tornou a principal força da oposição de direita, como confessou Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do Grupo Folha.
Jornalões, revistonas, rádios e emissoras de televisão se transformaram em comitês eleitorais do candidato tucano José Serra. No desespero diante da iminente derrota, estes veículos das elites dominantes partiram para a manipulação mais grosseira. Os blogs e as redes sociais, com sua agilidade e irreverência, serviram como contraponto à velha mídia. Eles ridicularizaram a famosa bolinha de papel que atingiu a careca de Serra e que foi transformada num petardo mortífero pela TV Globo. Eles também denunciaram a falsa ficha policial contra Dilma Rousseff estampada na capa do jornal FSP (Folha Serra Presidente).
A "guerrilha informativa"
Através de uma mensagem no facebook, uma ex-aluna de Mônica Serra, mulher do presidenciável tucano, revelou que a cínica já havia feito aborto, desnudando a abjeta campanha moralista e preconceituosa da direita fundamentalista. Num outro episódio marcante, a blogosfera conseguiu implodir um clipe de aniversário da TV Globo. Ele trazia o mesmo slogan da campanha tucana, o mesmo número da legenda do PSDB e a mesma cor azul da legenda. Em menos de 24 horas, a famiglia Marinho teve que retirar a peça de propaganda sub-reptícia. Estas e outras ações da “guerrilha informativa” incomodaram a direita e os barões da mídia.
Na sua guinada fascistóide, Serra passou a criticar os blogueiros progressistas, acusando-os de “blogs sujos”. Num discurso para os oficiais do Clube Militar, saudosos da ditadura, ele afirmou que a blogosfera e a “república sindicalista” eram as culpadas pela crise da sua campanha. Na mesma linha acusatória, alguns “calunistas” da velha mídia tentaram desqualificar os ativistas digitais, talvez temendo a queda de tiragem e de audiência de seus veículos. No extremo oposto, o presidente Lula estrelou um vídeo para estimular a blogosfera. Sob violento cerco da mídia demotucana, ele percebeu a importância da multiplicação das vozes críticas.
Passadas as eleições, Lula voltou a quebrar os paradigmas ao conceder, “pela primeira vez na história deste país”, uma entrevista exclusiva aos blogueiros. A coletiva, em pleno Palácio do Planalto, irritou os barões da mídia, que se achavam com mandato divino para as coletivas. O fato confirmou o novo protagonismo da blogosfera. Na sequência, ministros e governadores também abriram as suas agendas para entrevistas com blogueiros. Esta explosão de um novo tipo de jornalismo, como descreve em seu novo livro o escritor Ignácio Ramonet, revela que está um curso uma profunda mudança nas comunicações com o advento da internet.
As origens da “revolução” na internet
A internet é um fenômeno novo que está “revolucionando” o mundo contemporâneo. No dia 6 de agosto de 1991, o inglês Tim Berners-Lee criou a primeira página no Word Wide Web, o famoso WWW, que tornou a rede de computadores disponível para milhões de usuários. O primeiro sítio abordava as enormes possibilidades abertas com esta invenção e explicava o que as pessoas poderiam criar e encontrar na rede online. “O Word Wide Web (W3) é uma iniciativa de catalogação de informação hipermídia que deseja fornecer acesso universal a uma grande quantidade de documentos”, afirmava o primeiro sítio da internet.
Como descreve Manuel Castells no livro “A galáxia da internet”, esta “revolução” decorreu de três movimentos simultâneos. “As origens da internet podem ser encontradas na Arpanet, uma rede de computadores montada pela Advanced Research Projects Agency (Arpa) em setembro de 1979. A Arpa foi formada em 1958 pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos com a missão de mobilizar recursos de pesquisa, particularmente do mundo universitário, com o objetivo de alcançar a superioridade tecnológica militar em relação à União Soviética na esteira do lançamento do primeiro Sputnik em 1957”.
A genialidade dos hackers
Tendo nascida por razões militares, a internet logo chegaria às universidades nos anos 1980. “A Guerra Fria forneceu um contexto em que havia forte apoio popular e governamental para o investimento em ciência e tecnologia de ponta, particularmente depois que o desafio do programa espacial soviético tornou-se uma ameaça à segurança dos EUA... Em suma, todos os desenvolvimentos tecnológicos decisivos que levaram à internet tiveram lugar em torno de instituições governamentais e importantes universidades e centros de pesquisa. A internet não teve origem no mundo dos negócios. Era uma tecnologia ousada demais, um projeto caro demais, e uma iniciativa arriscada demais para ser assumida por organizações voltadas para o lucro”.
Por último, como fator decisivo para seu desenvolvimento, a internet contou com a genialidade dos hackers. “Sem a contribuição cultural e tecnológica das redes pioneiras, de bases comunitárias, a internet teria tido aparência muito diferente, e provavelmente não teria abarcado o mundo inteiro. Pelo menos, não tão depressa. Afinal, a abordagem de Tim Berners-Lee da tecnologia não estava muito distante dos programas de revolucionários culturais... A rápida difusão dos protocolos de comunicação entre os computadores não teria ocorrido sem a distribuição aberta, gratuita, de software e o uso cooperativo de recursos que se tornou o código de conduta dos primeiros hackers... Essa cultura estudantil adotou a interconexão de computadores como um instrumento da livre comunicação e, no caso de suas manifestações mais políticas, como um instrumento de libertação”.
A explosão do novo jornalismo
Com o desenvolvimento acelerado da internet, novas ferramentas foram surgindo – quase sempre pela iniciativa “libertária” dos hackers, que furaram os bloqueios das empresas privadas na sua ânsia por mercantilizar o serviço e obter altos lucros. Os blogs só aparecem no final do século passado. No Brasil, o jornalista Luiz Carlos Azenha inaugurou o seu blog, Viomundo, em 2003; Luis Nassif lança seu portal em 2005. Já o twitter tem apenas cinco anos de vida; e o facebook é mais recente ainda, de três anos para cá. Essa rápida disseminação fez surgir um novo tipo de jornalismo e de ativismo político, que democratiza e torna mais plural a informação, que dá voz a quem nunca teve voz, que desafia o pensamento único neoliberal da ditadura midiática.
É evidente que esta nova forma de comunicação, que radicaliza a liberdade de expressão (que não se confunde com a liberdade dos monopólios), preocupa os governos e as corporações empresariais, que tomam iniciativas para cercear a liberdade na rede. Nos EUA, na França e na Itália, entre outros países, já existem várias iniciativas legislativas para censurar a internet, para abortar a neutralidade na rede. No Brasil, o senador tucano Eduardo Azeredo, na sua mentalidade colonizada, propõe o AI-5 Digital para “vigiar” os internautas. Até agora, porém, estas iniciativas não conseguiram conter a força desta nova forma de comunicação.
Potente instrumento de mobilização
A blogosfera e as redes sociais jogam papel cada vez mais ativo e agudo na luta de idéias. Elas fazem o contraponto à velha mídia, denunciando os interesses políticos e econômicos das corporações empresariais por detrás das notícias, do entretenimento e da cultura. Elas ajudam a desmascarar os monopólios midiáticos, que manipulam a informação e deformam o comportamento. Com a agilidade de um mundo conectado online, os ativistas digitais inclusive passam a pautar a própria mídia privada. As redes sociais permitem o florescimento de milhares, milhões, de novos comunicadores que compartilham fatos e análises, imagens e sons. Eles não são mais receptores passivos das notícias difundidas pelos conglomerados midiáticos; eles são produtores de informação.
Além do contraponto na luta de idéias, a blogosfera e as redes sociais têm se mostrado um potente instrumento de mobilização. Elas não fazem a revolução, como alguns idealizam, mas ajudam a mobilizar as pessoas de carne e osso na luta por seus direitos. Elas foram decisivas nas revoltas do mundo árabe, deflagrando os gigantescos protestos das ruas, furando o cerco das ditaduras e denunciando o agravamento da crise econômica e social. Elas também tiveram um papel destacado na chamada “revolução dos indignados” na Espanha. Na explosão da revolta espontânea em Londres, a agilidade da internet atormentou o governo britânico. Como brincou o veterano jornalista Mauro Santayana, o que seria do mundo capitalista se Marx tivesse vivido na era da internet!
Ameaças e desafios
No Brasil, essa capacidade da mobilização instantânea também já se manifesta – e só tende a crescer. Foram as redes sociais que mobilizaram, em menos de 48 horas, mais de 4 mil pessoas no irreverente “churrascão da gente diferenciada”, no bairro nobre de Higienópolis, em São Paulo. Elas também tiveram papel de relevo nas mobilizações contra a prefeita-demo de Natal (RN), no movimento “Fora Micarla”, ou nas “marchas das vadias”, em diversas capitais, contra o machismo. Os tuitaços de protesto, como o que ocorreu contra os retrocessos no Plano Nacional de Banda Larga, transformam-se numa arma de denúncia e agitação.
Os participantes do II BlogProg sabem do enorme potencial desta ferramenta na luta de idéias e na mobilização social. Sabem que precisam se apropriar rapidamente desta brecha tecnológica para avançar nas suas demandas imediatas e futuras. Sabem que as classes dominantes farão de tudo para castrar seu uso, ao mesmo tempo em que tentam mercantilizar a internet para auferir mais lucros. A batalha de ocupação da rede está em aberto. É preciso que floresçam mil flores, que se multiplique o número de ativistas digitais, e que se qualifique o uso desta poderosa ferramenta. As ameaças existem, mas os desafios são apaixonantes.
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