BLOG DO VICENTE CIDADE

Este blog tem como objetivo falar sobre assuntos do cotidiano, como política, economia, comportamento, curiosidades, coisas do nosso dia-a-dia, sem grandes preocupações com a informação em si, mas na verdade apenas de expressar uma opinião sobre fatos que possam despertar meu interesse.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Leia a entrevista da Revista Trip com ator José de Abreu.


JOSÉ DE ABREU

Policial maconheiro, preso político, ator, (pseudo) bissexual, militante de Twitter e funcionário da Globo. E agora, José? “Tô pensando em virar deputado”
12.04.2013 | Texto: Anna Virgínia Balloussier e Millos Kaiser | Fotos: Fe Pinheiro
Foto: Fe Pinheiro
Foto: Fe Pinheiro
A caracterização de José de Abreu para estas fotos foi inspirada na fantasia de carnaval vencedora do prêmio 'Serpentina de Ouro', do jornal O Globo

La Revolución, para ele, é acima de tudo individual. Policial, preso político, hippie sujo e, mais recentemente, militante virtual e (pseudo) bissexual. Zé de Abreu, o vilão Nilo, de Avenida Brasil, já foi um monte de coisa. E agora, José? “Tô pensando em virar deputado”

Demorou 48 horas, oito cervejas (baratas) e dois tintos portugueses (Esteva Douro 2010, R$ 130 a garrafa) para José de Abreu, o ator global, contar que José de Abreu, o seminarista, foi abusado por um padre aos 12 anos. Que José de Abreu, o policial, aprendeu a fumar maconha com os colegas da corporação. Que José de Abreu, o militante político, ficou amigo do xará José Dirceu na faculdade e apoiou a luta armada contra a ditadura. Que José de Abreu, o hippie fritado de ácido, bordou cogumelos na calça olhando o mar da Bahia. Que José de Abreu, recém-saído do armário no Twitter, na real nunca pegou homem – se assumiu bissexual “apenas para experimentar como é ser minoria”. Que José de Abreu, pai de cinco e avô de quatro, não ligou de tirar as calças na sessão de fotos para esta entrevista (mas lamentou estar de cueca branca “fraldão”; a do dia anterior “era mais bonitinha”). E isso é só o começo.
Numa tarde de segunda-feira, Trip visitou o ator em seu apartamento de frente para a praia da Barra da Tijuca, que ele até hoje financia pela Caixa Econômica Federal (“gasto tudo que ganho, não sei juntar”). De regata branca, relógio Calvin Klein, bermuda azul e chinelo preto, ele atende já pedindo desculpas pelo mascote da casa, um lhasa apso chamado Pipo que não para de latir um segundo. “Parece deputado em campanha”, brinca Zé (pode ser só Zé mesmo).
E, de política, embora diga que não entenda, ele fala sem parar. Naquele mesmo dia, tinha voltado da Bahia, onde fora apresentado a Duda Mendonça, marqueteiro de Lula em 2002, por um amigo em comum: o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado a dez anos e dez meses de prisão no julgamento do mensalão (Zé defende sua inocência). Mendonça mandou um helicóptero para levar o mais novo compadre até sua mansão em Taipus de Fora. O papo do trio começou na Skol e terminou com cervejas belgas. O cão que ladra no Twitter agora quer morder: Zé anda pedindo conselhos para os próximos, pois está na dúvida se encara uma candidatura à Câmara dos Deputados em 2014. “Ninguém é a favor”, diz.
Por ora, é nas redes sociais que ele faz política. Em um mesmo dia, descasca o pastor evangélico Marco Feliciano (PSC-SP), eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos, o novo papa, Francisco, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) e o ex-presidenciável tucano José Serra. Rato de passeata na época da ditadura (“eu era porra-louca, ficava bem na frente dos protestos”), ele considera o novo ativismo, o das redes sociais – nas quais por sinal gasta várias horas do dia –, coisa de “militante lobinho”. “Eu acho que está na hora da molecada tirar a bunda da poltrona.”
Penny Laaaaaaaaaaane is in my ears and in my eyes...
A música dos Beatles ecoa como toque do iPhone 5 de Zé, um viciado confesso em tecnologia, que tem a coleção inteira da Apple e chegou a ser apelidado pelo colega José Mayer de Zé Windows nos anos 90 (para ter acesso à internet, na pré-história da era virtual, descolou uma senha do Ministério das Comunicações).
Antes de interpretar Nilo, o vilão de Avenida Brasil que conquistou brasileiros de todas as idades, José Pereira Abreu Júnior foi muita coisa. Nasceu em Santa Rita do Passa Quatro há 66 anos, onde viveu o clichê do interior paulista – falava “porrrta” e arrumava namoradinhas fazendo o footing na praça.

Para ele, o novo ativismo, baseado nas redes sociais, é coisa de “militante escoteiro”

O pai, delegado da cidade, era querido por todos. Mas morreu cedo, quando Zé Júnior, o caçula, tinha 9 anos. Ele, a mãe e as duas irmãs passaram sufoco. Cinco anos depois, estavam todos em São Paulo, onde Zé demorou para se sentir bem (de cara foi apelidado de Caipira). A casa dos Abreu, no bairro de Santa Cecília, chegou a virar uma pensão até a situação financeira se acomodar. Logo o destino ricocheteou, tal qual máquina de pinball, e fez com que o filho de delegado entrasse para o setor de entorpecentes da polícia, no qual apreendia drogas de moleques da mesma idade que ele. Sua função era enturmar-se com a galera e provocar o flagrante. Zé, que nunca tinha provado da erva, teve de aprender a tragar. Virou fã.
Já ex-policial, passou em direito no vestibular. Entrou na PUC de São Paulo em 1967 e, na faculdade (que não chegou a terminar), conheceu o presidente do centro acadêmico, José Dirceu, que naquela época também atendia por “Alain Delon das massas”. “Ele sempre foi para um lado mais político e eu, mais artístico. Não chegou a fazer teatro, embora fosse um puta de um artista. Discursando em cima de um caminhão, ele era um monstro”, compara.
Zé nunca tinha visto uma peça até então, mas acabou virando produtor do Tuca, o teatro da PUC. Substituindo um colega em um ensaio, sacaram que ele levava jeito para a interpretação. Antes de ser ator, porém, outro aposto se somaria ao seu nome: o de preso político. Zé era um dos 700 estudantes que rodaram no congresso de 1968 da UNE (União Nacional dos Estudantes).
Após dois meses no xadrez, viraria vendedor de máquinas de escrever, funcionário da IBM, dono de livraria e autoexilado na Europa. De volta ao Brasil, lá pelo fim da década de 70, tornou-se ator de vez. Seu papel no filme A intrusa (1979) rendeu-lhe um convite para a TV. Assinou contrato com a Globo em 1º de outubro de 1980. Conta 30 anos e 15 novelas como empregado da família Marinho, fora três anos na já extinta Rede Manchete. No momento, está fora das telinhas. Mas está nas telonas, no filme Meu pé de laranja lima, e na peça Bonifácio Bilhões (“ela fala sobre ética”), em cartaz em São Paulo até 30 de junho.

Enquanto narra suas experiências lisérgicas, dá garfadas em um ossobuco de R$ 86

Com mais plim-plim que reclames, namorou colegas como Mônica Martelli e Luisa Thiré e casou e descasou com Nara Keiserman e Neuza Serroni, até conhecer o “grande AMOR” (assim escreve num e-mail), dez anos atrás. Camila Mosquella tinha 21 anos na época.
Enquanto o marido narra suas experiências lisérgicas e dá garfadas em um ossobuco de vitela de R$ 86 (prato mais gorduroso, no preço e nas calorias, do cardápio), ela desliza o dedo no iPad e curte fotos no Facebook. À repórter, pediu dicas de compras na rua Oscar Freire, meca do consumo de luxo paulistano. O filho Theo, 36 anos, que já foi o Menino Maluquinho no teatro e hoje é advogado do ramo imobiliário, junta-se ao grupo.
Estamos no Gero, restaurante italiano de alta gastronomia, onde Zé costuma ir “quase toda semana”. Não vê contradição em ser de esquerda e gastar R$ 1 mil em um jantar para cinco pessoas. “O que eu deveria fazer? Doar meu salário da Globo?”, retruca. Foi, talvez, sua única esquivada durante a entrevista. “Vou contar para vocês tudo que nunca contei antes.”
Esse bronze é da Bahia? 
Pois é, fui conversar com o Duda Mendonça. Cara sensacional. A relação dele com os empregados é de emocionar.
Falaram sobre o quê? 
Fui pedir conselho. Falei dessa loucura de o Lindbergh [Farias, senador do PT-RJ] querer me lançar como candidato a deputado federal. Fui conversar sem compromisso, tomar uma cervejinha.
E ele apoiou sua candidatura? 
Não. Nenhum cara bom de cabeça dá força [risos]. A família não quer nem pensar. Fui conversar com o Lula, e ele me falou a mesma coisa. O Zé Dirceu, muito meu amigo, também.
Que bandeiras você defenderia, caso eleito? 
As principais bandeiras da esquerda. Melhoria no serviços de saúde, combate à miséria, aplicação de mais dinheiro na educação, descriminalização do aborto e das drogas leves.
Mas você não acha que dá para fazer política sem ser político? 
Acho, é o que faço o tempo inteiro.
Mas agora você quer ser político. 
Não sei se quero, não. Além da oposição da família e dos amigos, tem o bolso, que vai doer. Ganho muito mais na Globo. Teria que pedir suspensão do contrato.
Você já teve algum problema na Globo por causa de seu posicionamento político? 
O Projac é um mundo à parte. Passa um carrinho com alguém vestido com roupas da década de 30, depois outro em cima de um cavalo... Não tem ligação nenhuma com a realidade brasileira. E a maioria dos artistas é de esquerda.
Você divulga seu salário? 
Não.
Por quê? 
Acho chato. Vai ter colega rindo da minha cara porque ganho pouco e colega puto porque ganho muito.
Com o salário de deputado ficaria difícil viver? 
Um deputado ganha R$ 12 mil por mês. É muito pouco para o nível de vida que eu levo. O meu apartamento, por exemplo...
É seu? 
É. Primeira vez que tenho casa própria. Acho uma bobagem, coisa de brasileiro. Morei em 12 bairros do Rio em 32 anos.

“O Projac é um mundo à parte. Não tem ligação nenhuma com a realidade brasileira”

E você frequenta a praia? 
Nunca. Sou paulista, meu [risos]. Vou de vez em quando ali no Pepê, tem sempre uns amigos jogando futevôlei. Mas sou totalmente...
Sedentário? 
Total! Li sobre dois tipos de gente: o ateniense e o espartano. Sou totalmente ateniense. No meu tempo, o pior do vôlei passava num corredor polonês. Eu apanhava todos os dias. A única coisa em que me dei bem foi natação, um esporte solitário. Bola é pra mim um negócio impossível de dominar.
Mas devia fazer sucesso com as meninas... 
Era baixinho, feio e queixudo. Mas usava um topete, tinha uma chinfra. E dançava muito bem rock, twist, hali-gali, essas coisas. Minhas melhores amigas acabavam virando namoradas.
A primeira foi com quantos anos? 
Foi a Uda, lá em Santa Rita. Ela me mandou um correio do amor: “José Júnior, eu te amo. Ass.: Uda”. O nome dela de verdade era horrível: Euricilda. Eu tinha uns 8 anos.
Você perdeu a virgindade com ela? 
Não. Foi anos mais tarde, com uma vizinha de um amigo. Uma negra maravilhosa que me levou aos céus.
Como foi a sua criação? 
Meu avô era fazendeiro. Meu pai era delegado da polícia, respeitado e querido por todos. Dizia: “Você está preso! Vai para a cadeia que daqui a pouco vou lá te trancar”. Todo mundo respeitava. Morreu cedo, quando eu tinha 9 anos. Ele nunca bebeu, era grilado com o fígado. Mas acabou morrendo de remédio para cirrose hepática, uma doença de bêbado. Ele e minha mãe eram bem carolas. Fui coroinha. Tinha a roupa, o padre falando latim, os incensos, o órgão... Era um ritual lindo.
Parecido com teatro, não? 
Totalmente!

“Minha mãe me arranjou um trabalho na polícia. Deu merda. Aprendi a fumar maconha”

Sobrou algo do latim? 
Sobrou. [Zé recita pai-nosso e ave-maria inteiros em latim.]
Você frequentou a igreja até quando? 
Cheguei a ser seminarista. Assim que meu pai morreu, ficamos bem duros. Ele tinha um salário excelente, mas minha mãe não sabia nem o banco em que ele tinha conta. Os padres batiam na porta das casas e recrutavam crianças. Minha mãe achou bom eu ir. Acordava às 5h30 e tomava banho frio, de roupa e tudo, porque ninguém podia ficar pelado na frente do outro. Era uma repressão filha da puta, você tinha que se trocar embaixo do lençol.
Tinha algum padre pervertido? 
Tava cheio.
Você presenciou alguma coisa? 
Vivi. Um dia, um padre me deu uma masturbadinha leve. Fiquei muito grilado porque não sabia como confessar. Tinha 12 anos. Lembro do filme até: Marcelino Pan y Vino. A gente estava assistindo, e o cara pegou no meu pau. Foi um susto. Tirei a mão dele, levantei, mas fiquei com aquele pecado na cabeça.
Mas confessou, finalmente? 
Não. Fiquei um ano no seminário, depois voltei pra Santa Rita. Todo mundo me chamava de padre, era horrível. Como minhas irmãs já moravam em São Paulo, minha mãe resolveu mudar-se também. Foi um choque. Meu apelido virou Caipira.
A mudança para a cidade grande foi traumática então... 
Foi, mas depois melhorou. Fiz uns amigos na Santa Cecília, bairro onde morava. A gente já bebia bem. Cuba libre, hi-fi... Havia uma coisa de turma, influenciada pelos filmes do James Dean, da época. Nem tinha maconha. Só bolinha, anfetamina. Pervitin era o nome.
O que sua mãe achava disso? 
Morria de preocupação. Ela era conservadora. Pegava negrinhas em orfanato para “criar”. Tive uma babá, a Sebastiana, que tinha que correr atrás de mim enquanto eu andava de bicicleta. Um absurdo... Mas, enfim. Minha mãe me arranjou um trabalho na polícia. E aí que deu merda. Aprendi a fumar maconha [risos].
Aprendeu a fumar maconha na polícia? 
Explica isso. Me colocaram no setor de entorpecentes. O delegado disse: “Você vai dar flagrante. Sabe fumar maconha?”. Eu disse que não. “Dá uns baseados pro Zé, ensina como fuma essa merda.” Acenderam o beck, ligaram a sirene e falaram: “Segura!”. Comecei a rir pra caralho. Descobri que meus colegas fumavam o tempo inteiro. Era a primeira coisa que faziam antes de sair para a ronda.
Vocês iam chapados prender gente fumando maconha. 
Exatamente.
Não dava crise de consciência? 
Imagina, era uma aventura! Estava brincando de bangue-bangue.
A carreira na polícia durou até quando? 
Foram quase três anos. Um dia, me fizeram ver um cara ser torturado. O cara se cagava, se mijava todo. Vomitei. Pedi pra sair. Fui pra Santa Rita, me enfiei na fazenda de um amigo meu. Abandono de cargo. No fim, minha mãe falsificou minha assinatura e fez um pedido de desligamento da polícia. Foi nessa fazenda que resolvi fazer direito. Do nada.
Como foi na faculdade? 
Foi quando me politizei, comecei a fazer teatro e política. A única coisa que não fazia era ir pra aula. Eram anos difíceis, uma ditadura ferrenha. Mas, ao mesmo tempo, a universidade fervia, você sabia que tinha companheiros ali. A própria universidade te protegia. Era muito gostoso passar o dia lá.
Qual foi a primeira causa que você abraçou? 
O pessoal do CA [Centro Acadêmico] começou a se unir com os excedentes pra pressionar a faculdade a aumentar o número de vagas. Às vezes passavam 400 pessoas e tinha vaga pra 60. Tinha acampamento em todas as faculdades de São Paulo. Começaram a usar o artigo 477 [proibindo fazer política na faculdade] pra expulsar alunos. Caralho, os estudantes tinham que fazer política! Era inimaginável o cara estudar filosofia, direito ou ciências sociais e não fazer política.
Foi quando você ficou amigo do José Dirceu? 
Isso, logo que entrei. Ele era presidente do CA e ia de sala em sala fazer um proselitismo político.
O que pensa da condenação de Dirceu e do julgamento do mensalão? 
No fim, não há prova nenhuma. Tiveram que usar essa história do domínio do fato [teoria de que o autor não precisa ter executado o crime, basta ter domínio sobre o que seus subordinados fazem]. Processo totalmente viciado. Pra mim, caixa dois, o caceta, o PT fez. Foi ingênuo. Usou uma coisa que já tinha sido usada pelo PSDB.

"Hoje se faz ativismo no ar-condicionado, clicando no mouse. É leve, quase uma brincadeira"

Qual era o seu papel no movimento estudantil? 
Eu era o porra-louca. O cara que ficava na comissão de frente, que pensava na logística das manifestações, no roteiro etc.
E da luta armada, participou? 
Apenas dando apoio logístico. Não me via dando tiro em guardinha. Você acha que eu vou atirar em alguém? Menor possibilidade, ia me cagar todo, deixar o cara me matar. E eu sabia que o guardinha não tinha nada a ver com a ditadura.
Você foi um dos 700 jovens presos no Congresso da UNE, em Ibiúna. Como foi? 
A gente soube com antecedência que os policiais estavam vindo. Mas, por causa de uma discussão interna, não conseguimos resolver se tentávamos escapar ou se ficávamos. Acabamos ficando. Foi engraçado aquele bando de adolescentes cabeludos indo preso. Os policiais não sabiam o que fazer, liberaram vários deles no caminho de volta para São Paulo.
Mas você foi preso, não foi? 
Fui, assim como todos os líderes. Fiquei dois meses na prisão.
E depois? 
Fiquei dois anos em São Paulo, como dono de livraria, saindo pouquíssimo. Peguei um advogado muito bom, queria voltar à vida normal.
Mas largou o movimento? 
Não, continuei fazendo alguns serviços. Dava caronas para o pessoal da luta armada, fazia entregas.
Qual a diferença do ativismo dessa época com o praticado atualmente, das redes sociais? 
Não tem nenhuma comparação. Não tem como explicar a ditadura pra quem nunca viveu ela. Ser ativista era uma obrigação moral de qualquer ser humano que se prezasse. Hoje se faz ativismo com toda a liberdade do mundo. Dá pra fazer no ar-condicionado, clicando no mouse. É um ativismo leve, quase uma brincadeira. Mesmo que fale de assuntos sérios de vez em quando.
Mas você não acha que o ativismo virtual pode gerar resultados reais? 
Acho. O Egito foi um exemplo. A Espanha também. Aqui no Brasil, por enquanto, ainda não vi nada que tenha funcionado de fato. Não basta 3 mil pessoas falarem “vamos” no Facebook e acabarem não indo. Fora que as causas são mal escolhidas. Marcha contra a corrupção?! É a mesma coisa que dizer que você é contra a morte. Todo mundo é!

“Na internet você fala coisas que no boteco, bêbado feito uma vaca, você não fala porque é crime”

As causas de hoje são bobas? 
Tem uns protestos ridículos. Mas, como é fácil, basta um clique no mouse, um monte de gente apoia. O duro é você sair, pegar um metrô, uma bicicleta, ir lá no Masp e gritar. E outra: um militante virtual é sempre uma persona, nunca é você mesmo. O avatar é um lado que você mostra, não é necessariamente você. Na internet você fala coisas que no boteco, bêbado feito uma vaca, você não fala, porque é crime de morte.
Mas você é bem militante na internet. O que o faria ir para a rua protestar hoje? 
Sei lá, muito difícil eu sair de casa. É o único lugar que acho que não tem ninguém me filmando, me patrulhando.
E o que fez você se afastar do movimento quando jovem? 
Eu tinha filho já. Comecei a sentir uma outra inquietação, mais estética e artística do que política. Minha coisa era com a maconha, com a literatura beatnik, o movimento hippie. Tinha acontecido o Woodstock, Vietnã. Depois teve maio de 1968 na França, “É proibido proibir”, Caetano Veloso cantando aquelas coisas. A Neusa [primeira esposa] vaiava, e eu aplaudia.
Por que a Neusa vaiava? 
Porque não entendia aquilo, assim como 80% das pessoas. No dia seguinte, na faculdade, estava todo mundo arrependido. Tive sorte de ter um pé nas duas canoas. Participei das duas revoluções da minha geração: a política e a artística. A coisa dos Beatles falando da Índia, essa história de usar roupa colorida e desbotada, lenço na cabeça, sentar no chão... Isso mudou o comportamento do ser humano, cara. Hoje o homem pode usar a roupa que quiser, a cor que quiser. Eu cheguei a ser chamado de veado porque estava com uma blusa vermelha com gola V, porra. Isso tudo foi uma revolução. E, claro, tinha o ácido.
Quando foi o primeiro? 
Foi na Bienal de São Paulo, em 1971. Minha turma da Santa Cecília, aqueles malucos que tomavam remedinho pra não dormir, viraram artistas plásticos. E me apresentaram para um artista gringo que veio fazer uma instalação. Ele tinha uma porrada de ácido. Tomei e foi: “Caraaaalho! É isso!”. Make love, not war. Entendi tudo.
Foi a primeira de várias trips? 
Foi. Mas era uma coisa responsável. Eu era intelectual, né? Então fui lá, comecei a estudar um monte sobre peiote, mescalina, LSD. Depois me separei [da Neusa]. Fui parar na Bahia, em Arembepe. Lá era o Woodstock brasileiro. Até a Janis Joplin, dizem, foi. Namorei a Renata Souza nessa época, uma milionária paulistana que tinha sido a primeira a usar um biquíni em São Paulo. Já tinha tomado uns 200 ácidos! A gente classificava as pessoas assim [risos]. Quando voltei pra cidade, nos separamos. E me apresentaram à Nara [sua segunda mulher]. Tomamos um ácido juntos e nos apaixonamos. Ficamos casados 19 anos e tivemos três filhos, que nos deram quatro netos. Pra você ver: às vezes a droga une. Meu analista sempre falava: “Droga não muda ninguém, só reflete e potencializa o que você já é”.

“Tomei ácido pela primeira vez e foi: ‘Caraaaalho! É isso!’. Make love, not war. Entendi tudo”

Toma ácido ainda? 
Não! Não se faz mais ácido como antigamente. Porra, hoje os caras tomam pra ir pra balada! A última vez que tomei foi no Egito, dentro de uma pirâmide.
E o autoexílio?
Quando me apaixonei pela Nara, não queria mais saber do Brasil. Pegamos um navio italiano e fomos à Europa. Londres primeiro.
O Caetano Veloso ainda estava lá nessa época? 
Sei lá. O Caetano era mainstream demais pra mim. Moramos em uma comunidade em Shepherd’s Bush, um bairro de negros, barato. Moravam 11 brasileiros e um inglês. O síndico era africano. Não lembro de que país, mas financiava as rebeliões em seu país. Vendia maconha pra comprar fuzil. E a gente ajudava, gritava em Portobello Road: “Compre maconha e ajude a África!”.
Quanto tempo em Londres? 
Quatro meses. Eu lavava prato e a Nara era garçonete. Fazia cinco pounds por semana, mas era rico. Um pound para morar na comunidade, mais dois pounds de comida. Só. Eu chegava às 11 horas no restaurante, fazia um puta café da manhã, lavava pratos até as 15 horas e depois comia só à noite. Aí fingia ser macrobiótico, que nem o resto da galera. Meu filho foi comer carne só com 7 anos de idade.
Você morou em Amsterdã também, certo?
Nossa comunidade resolveu fazer um grupo de música e ir pra lá. Quem deu a ideia foi o Carlinhos, um cara de Niterói muito louco, que mais tarde seria o primeiro a exportar ginseng para o Brasil. Ele disse: “Temos que fazer uma vibração místico-cultural-musical sobre Atlântida”. Montamos o Children of Moo. Eu tocava flauta doce, a Nara, piano. A gente escolhia um tema, cada um pegava sua lasquinha [de ácido] e pronto. Depois resolvemos comprar uma Kombi e ir para a Índia, que era o que estava pegando na época. Todo mundo foi desistindo no caminho. Eu e a Nara ficamos na Grécia. Tava bom demais, não conseguimos ir embora. De lá voltamos para o Brasil, quando o pai da Nara mandou um telegrama avisando que tinha um emprego pra gente na Universidade Federal de Pelotas, como professores de teatro. Salário, funcionário público, tudo certinho.
Vocês tinham uma relação aberta? 
Não, não! Sempre fui casado, então não tinha amor livre. Só no final do casamento, mas foi só uma maneira de dar uma sobrevida. Ela me dava carta branca mais do eu que dava a ela!
É possessivo, Zé? 
Claro, sou um macho brasileiro normal, nascido em 1946. Mas tento lutar contra isso. Nunca casei com uma mulher machista. Sempre casei com mulheres fortes, feministas, que botavam o pau na mesa. E obviamente isso me ajuda muito a erradicar o meu machismo. Mas confesso: tenho preconceitos, apesar de lutar todos os dias contra eles. Me cuido, quero fazer o bem pras pessoas e procuro fazer o possível para não ser injusto, indelicado. Tento vibrar positivamente, sabe?

“Como não posso ser mulher, negro ou gay, escolhi ser bissexual. Foi um gesto político”

Mas que preconceitos acha que tem? 
Nunca tive um ato racista contra um negro. Mas já ri de piada racista, já repeti piada racista, até pra amigo negro. Já tive uma namorada negra, amigos. A proporção de negros na minha vida foi mais ou menos como é na vida de todo mundo, como é numa novela da Globo.
No começo do ano você declarou no Twitter que era bissexual. Por quê? 
Porque comecei a ver um monte de queixa no Twitter de mulher agredida, gay espancado, negro escorraçado. Me deu uma loucura: quero saber como é se sentir minoria, ser vítima de preconceito. Como não posso ser mulher, nem negro, nem gay, pois sou casado com uma mulher e já fui casado com outras, escolhi ser bissexual. Foi um gesto político.
Você então nunca se relacionou com um homem? 
Estou casado com a minha mulher há quase dez anos. E estou bem. Não estou aberto a outra relação. O fato de eu ter tido ou não relações bissexuais não importa. O fato de eu ter falado que era já me colocou essa pecha. Virei bissexual e fim de papo. Apanhei, mas valeu a pena. Foi um teste sociológico, uma pesquisa psicoantropológica.
Mas, Zé, teve ou não teve sexo com homem? 
Olha, eu fiz duas peças que tinha beijo na boca. Mas era beijo técnico... [risos]. Era uma cena absolutamente poética, lindíssima. As mulheres choravam alto.
E fora do palco? 
Fora do palco, não. Mas não foi por preconceito.
Você deve ter muitos colegas bissexuais que não se assumem. 
Vários! E eles vieram me abraçar, me agradeceram [por dizer que era bissexual]. Recebi muitos e-mails de congratulações.
Por que atores não podem ainda assumir sua sexualidade? 
O Marco Nanini acabou de declarar que é gay... Mas não sei. É uma questão muito de foro íntimo, talvez atrapalhe a carreira. Aliás, será que isso vai acontecer comigo?
Você está preocupado? 
Eu não! É a primeira vez que eu penso nisso. Até agora fingi que sou macho, não foi? Vou continuar fingindo. Não tem problema nenhum.
E o vídeo que você gravou com o Rafinha Bastos, em que vocês são amantes? 
Ele me ligou e eu topei na hora. Achava que já conhecia ele, mas confundia com aquele outro do CQC, o [Danilo] Gentili. Sempre que tinha evento, a Globo colocava eles atrás de uma grade lá longe, uma baita humilhação. Mas eu sempre ia lá falar com os caras. Rafinha foi lá em casa gravar, pegou uma ponte aérea só pra isso. Acho injusta a perseguição que fizeram com ele por causa daquela piada de que mulher feia deveria agradecer por ser estuprada. Estão levando o humor a sério demais.
Como é a vida sexual aos 66 anos? 
Não muda nada. Nunca tomei nenhum aditivo desses. Acho que a minha geração está chegando aos 70 muito bem. Tem José Mayer, José Wilker, Paulo Betti, Antonio Fagundes, Tony Ramos.
Como e quando você conheceu a Camila? 
Em um aniversário meu, que fiz na pousada de um amigo, em Teresópolis (RJ). A Camila era amiga de academia da esposa dele. Conversamos bastante e acabou acontecendo.

“Abrir mão do meu salário da Globo para poder ser de esquerda? Acho isso ridículo”

Foi depois de começar a fazer análise? 
Comecei análise quando fiquei grávido do Bernardo [filho caçula], que hoje tem 12 anos. Resolvi fazer porque fazia muito tempo que eu não tinha filho. E a gente [ele e a mãe de Bernardo] não era casado. Nessa época, eu era garanhão. Um jornalista do Globo até me chamava de José “Casanova” de Abreu, porque eu só namorava mulheres bonitas. Tinha muita casa noturna no Rio, todo mundo ia pra rua.
E quais mulheres lindas você namorou? 
A Mônica Martelli, a Flávia Zillo, a Luisa Thiré. Não são mulheres lindíssimas, mas são tipos incríveis. Mulherões, entendeu? Mulheres de impacto.
Você se dá bem com suas ex-mulheres? 
Me dou bem com todas. Principalmente com a Nara. A Neusa mora em São Paulo, a gente praticamente não tem contato. Depois que o Rodrigo morreu [em 1992]... Aí que perdemos o vínculo mesmo.
Rodrigo, seu primogênito, morreu aos 21 anos. Você tem problema em falar sobre isso? 
Nenhum. Durante muito tempo frequentei centro espírita, inclusive meu filho ia também. Me seguro nessa.
O que aconteceu exatamente? 
Ele caiu da janela. Estava chuviscando, e tinha uma persiana. Ele sempre botava o corpo pra fora da janela, era muito grandão, atlético. Aí passou pelo buraco. Não havia possibilidade de suicídio, a gente tinha acabado de conversar. Ele tinha ido no banco, levado o jipe pra consertar, estava preparando o futuro. Foi comer mamão, ligou o rádio e caiu.
Como você encarou? 
Eu estava fazendo Amazônia, na TV Manchete. Me deram 15 dias de férias. Depois, voltei a gravar.
Não é contraditório ser um cara de esquerda e ser global, comer no Gero e se hospedar no Fasano ao mesmo tempo? 
Não sei, bicho. Perguntavam a mesma coisa para o Geraldo Vandré na época, porque ele tinha um Ford Galaxie. Ele respondia: “Não sou proletário. Não vou me fantasiar como tal”. Eu gasto grande parte do meu dinheiro com viagem, comida, bebida. Eu tenho que abrir mão do meu salário da Globo para poder ser de esquerda? Acho isso tão ridículo quanto achar que sou mau ator porque sou de esquerda. Tem jornalista que coloca isso na imprensa. Dizem que sou um ator coadjuvante... Porra, até a Fernanda Montenegro é coadjuvante de vez em quando! Não existe ator coadjuvante. E hoje vou ganhar um prêmio de melhor ator da APCA [Associação Paulista de Críticos de Arte], justamente por um papel coadjuvante. Que tal?

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