BLOG DO VICENTE CIDADE

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quinta-feira, 13 de junho de 2013

Marilena Chauí e a turma do farol – Por Valter Pomar

“A luta dos setores populares por melhorar suas condições materiais, cria as condições para elevar espiritualmente o conjunto da sociedade. Ao contrário, a luta de setores da burguesia e de parte dos setores médios para manter o status quo ou até para reduzir direitos, cria as condições para deprimir espiritualmente o conjunto da sociedade.”

Originalmente publicado no Site do PT NACIONAL

Hélio Schwartsman dedicou sua coluna de 9 de junho na Folha de S. Paulo ao tema da “classe média”. O texto, intitulado “Farol do iluminismo” é curto e pode ser lido na íntegra. Aí vai:

“Cobram-me um posicionamento em relação às invectivas que minha antiga professora de filosofia Marilena Chaui fez contra a classe média. Para os que não tomaram ciência, ao falar no lançamento do livro “10 Anos de Governos Pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma”, no mês passado, Marilena declarou: “A classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante. Fim”.

Eu também gostaria que nossas elites estivessem um pouco mais à esquerda do que estão, pelo menos no que diz respeito às liberdades e à defesa de soluções pacíficas para todo gênero de conflito, mas não podemos esquecer que vivemos num país basicamente conservador e, na comparação com as camadas populares, a classe média brasileira desponta quase como um farol do Iluminismo.

E nem é preciso muito malabarismo filosófico para chegar a essa conclusão. Trata-se, na verdade, de uma questão empírica fácil de verificar. As várias pesquisas Datafolha que exploraram a opinião do brasileiro em temas controversos publicadas ao longo dos últimos anos mostram que são invariavelmente os mais ricos que manifestam as posições mais progressistas. Eles apoiam proporcionalmente mais do que os pobres o aborto, a eutanásia e a legalização das drogas. São mais tolerantes em relação ao homossexualismo e menos religiosos. Tendem a ser mais severos com políticos corruptos.

Quem primeiro chamou a atenção para esse fenômeno foi o sociólogo Alberto Carlos Almeida no livro “A Cabeça do Brasileiro”, lançado em 2007 e que, à época, despertou bastante polêmica. Se pensarmos bem, entretanto, tais conclusões não deveriam surpreender ninguém. É mais do que conhecida a correlação entre renda e nível de instrução, e uma das principais razões por que mandamos as crianças para a escola é torná-las pessoas mais sábias e esclarecidas.”

Não tive a oportunidade de ter Marilena Chauí como professora, nem estava presente no momento em que ela lançou suas “invectivas” sobre a “classe média”. Mas recebi os ecos no dia seguinte, durante uma atividade em que tanto Lula quanto Dilma fizeram referência ao ocorrido.

Infelizmente, criticam Marilena pelo secundário. Pois a preocupação essencial da professora é apontar que o critério para definição das classes sociais não deve ser a capacidade de consumo, mas sim o lugar ocupado no processo de produção. Motivo pelo qual os setores que ampliaram sua capacidade de consumo, graças às políticas desenvolvidas pelo governos Lula e Dilma, não devem ser considerados como “classe média”.

Aliás, mesmo que adotássemos como critério os padrões de consumo, ainda assim caberia perguntar: “médios” em relação ao quê e a quem?

Não devemos chamar aqueles setores de classe média, porque é sociologicamente incorreto, qualquer que seja o critério adotado. E não podemos chamar tais setores de classe média, porque para a esquerda é simplesmente decisivo que adotem a visão de mundo e o comportamento político da classe trabalhadora. E não a visão de mundo e o comportamento que se atribui à chamada “classe média”.

É este comportamento e visão de mundo que Marilena criticou, ao falar da classe média como “abominação política, porque é fascista; abominação ética porque é violenta; abominação cognitiva porque é ignorante”.

Embora Marilena esteja certa no essencial e embora compartilhe plenamente de sua indignação, acho que suas “invectivas” abrem caminho para um erro sociológico e outro político. O sociológico é não perceber que não existe uma “classe média” homogênea, mas sim setores médios heterogêneos, que enxergam o mundo e atuam nele de formas também distintas.

Quem seriam estes “setores médios”? Por um lado, aqueles proprietários de meios de produção cuja pequena escala exige que o proprietário e seus familiares trabalhem, ainda que possam também contratar assalariados. Por outro lado, aqueles assalariados cuja remuneração lhes permite converterem-se em proprietários de meios de produção (ou equivalente) e, também, contratar outros assalariados.

Segundo estes critérios, setores importantes do PT integram sociologicamente os tais setores médios. Parte importante dos quais já votou e segue votando no PT e nas candidaturas de esquerda.

Assim, ainda que seja verdade que nos setores médios há segmentos violentos, fascistas e ignorantes, é um erro generalizar e agir como se o conjunto dos setores médios estivesse do lado de lá da trincheira.

Ao contrário, devemos disputá-los, algo que a burguesia faz com muito sucesso, vide Chile de 1973, as marchas no Brasil em 1964, o “mensalão” e tantos outros episódios similares.

Isto posto, vamos ao texto de Hélio Schwartsman.

Ele começa dizendo que “também gostaria que nossas elites estivessem um pouco mais à esquerda do que estão”.

Aqui há um daqueles “deslizes conceituais” que só Freud explica. Afinal, nada mais “classe média” do que considerar-se “de elite”.

O texto prossegue dizendo que “vivemos num país basicamente conservador e, na comparação com as camadas populares, a classe média brasileira desponta quase como um farol do Iluminismo”.

Opa, opa!!! Novamente, surge o equívoco de tratar a “classe média” como um setor homogêneo (para ver como não é assim, basta pensar no perfil do leitor padrão de Veja e de Carta Capital). Mas surge junto o ranço reacionário que Marilena tão bem apontou: achar-se melhor do que “as camadas populares”. E atribuir o seu próprio conservadorismo “ao país”.

O “povo”, os “setores populares”, são categorias sociologicamente imprecisas. Politicamente, não: na linguagem da esquerda, os termos “povo” e “setores populares” vêm carregados de significado positivo.

Mas seja qual for o sentido empregado, não é correto dizer que os setores médios em geral são mais “iluministas” do que os setores populares em geral. Para Hélio, trata-se de uma “questão empírica fácil de verificar”. Confesso que temo quando questões que exigem um pouco de reflexão são apresentadas como “questões empíricas”; mas sigamos adiante.

Diz Hélio que as “várias pesquisas Datafolha” publicadas ao longo dos últimos anos “mostram que são invariavelmente os mais ricos que manifestam as posições mais progressistas. Eles apoiam proporcionalmente mais do que os pobres o aborto, a eutanásia e a legalização das drogas. São mais tolerantes em relação ao homossexualismo e menos religiosos. Tendem a ser mais severos com políticos corruptos”.

Esta é outra característica “classe média”: a auto-referência. Assim, o Datafolha converte-se em algo como um oráculo. Para facilitar, aceitemos os dados fornecidos por Hélio. Mas agora nos coloquemos a pensar um pouco sobre eles.

As pesquisas indicam uma correlação entre “valores iluministas” e “condições de vida”. Entre outros motivos, pela razão indicada por Hélio: “a correlação entre renda e nível de instrução”. Dispensemos aqui a insinuação classe média segundo a qual passar por uma escola tornaria as pessoas mais “sábias e esclarecidas”.

Cabe perguntar: expressar “valores iluministas” quer dizer o quê mesmo? A posição sobre aborto, eutanásia, legalização das drogas, homossexualidade e religião são os únicos critérios a separar trevas e luz, conservadorismo e progresso? Ou a complexa pauta político-ideológica da sociedade brasileira e mundial inclui além destes, outros temas, como salários, jornada de trabalho, tributos, políticas sociais etc.?

O que impressiona é que, ainda que vivam em condições materiais melhores, amplos setores médios adotam posições retrógradas, conservadoras, de direita, sobre todos os temas. Em sentido contrário, embora em condições materiais muito piores, amplos setores populares defendem posições iluministas, progressistas, de esquerda sobre todos os temas.

Portanto, ao contrário do que parece, a propensão iluminista dos setores populares é relativamente mais intensa do que a dos setores médios. E isto tem relação com fatores simultaneamente subjetivos e objetivos: quanto mais as condições materiais da classe trabalhadora são produto da ação coletiva, mais tendem a prevalecer posições de esquerda. Motivo pelo qual é preciso uma atenção toda especial para politizar os setores da classe trabalhadora que ascenderam materialmente desde 2003.

Dizendo de outra forma: se existe correlação entre “condições materiais” e “atitude iluminista”, então é preciso considerar na equação não apenas a fotografia, mas também o filme.

A luta dos setores populares por melhorar suas condições materiais, cria as condições para elevar espiritualmente o conjunto da sociedade. Ao contrário, a luta de setores da burguesia e de parte dos setores médios para manter o status quo ou até para reduzir direitos, cria as condições para deprimir espiritualmente o conjunto da sociedade.

Por isto, tanta gente que se acha “farol do iluminismo” acaba servindo de limpa-trilhos da direita. E que viva Marilena Chauí, que exageros a parte, colocou o debate nos termos adequados.

Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT

Um comentário:

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