É insólito o episódio da destituição de Deborah Duprat no cargo de vice-procuradora da República pelo chefe da PGR, Roberto Gurgel.
Um retrato de uma politização absurda que tomou conta do comando da Procuradoria e de parte do Supremo Tribunal Federal.
O motivo é a discordância manifesta da Procuradora do parecer de Gurgel a favor de sustar a deliberação do Senado sobre o direito de partidos em criação terem acesso à tempo de TV e recursos do fundo partidário.
Gurgel quer que não haja restrições, mas, curiosamente, ele deu parecer contrário quando o PSD de Gilberto Kassab buscou e ganhou no Supremo o direito às verbas do fundo.
Mas não foi essa a discordância que levou Duprat a contrariar a posição de Gurgel, em dupla com Gilmar Mendes, de impedir o Senado Federal de apreciar e votar restrição semelhante àquela que defendia para novos partidos.
A divergência foi sobre o poder do Supremo de interromper a discussão e a deliberação do Senado sobre uma lei.
Duprat não aceitou que o Judiciário se substituísse ao Legislativo e, mais ainda, tivesse o poder de negar ao Congresso o direito de apreciar matéria legal.
O que é completamente de suspender, por inconstitucional, a aplicação de qualquer lei aprovada.
E o Supremo não ficou atrás. Ao admitir como “amicus curiae” parlamentares contrários à medida – que, por não serem advogados no gozo de suas prerrogativas, acabaram representados por seus advogados no plenário – o Tribunal usurpou o debate legislativo comum, numa decisão infeliz que só vem tirar o comedimento e a austeridade que devem pautar a Corte Constitucional.
Duprat não é nenhuma neófita, possui um vasto currículo em causas diretamente ligadas aos direitos sociais e, dela, não se pode dizer que se serviu de uma oportunidade para confrontar Gurgel, com quem trabalha há anos e de quem recebeu a representação da PGR para questões de controle constitucional, exatamente o tema em questão.
Ela é, pelo voto de seus colegas, uma das integrantes da lista de onde a Presidenta Dilma Rousseff escolherá o novo Procurador Geral. Os procuradores demonstraram claramente não desejar alguém que levasse a instituição pelos caminhos da radicalização e da partidarização, como se atribui à outra auxiliar de Gurgel, Sandra Cureau, que obteve 271 votos, contra os 445 dados a Duprat.
Os dois outros integrantes da lista tríplice são Ela Wiecko – que teve 457 votos – e Rodrigo Janot, com 511 votos, que rompeu com Gurgel acusando o atual procurador de centralizador e autoritário. Se a tradição for seguida, ele, como mais votado, será o escolhido.
Mas, depois de partidarizar o cargo, Roberto Gurgel conseguiu, também, colocar uma politização indevida em sua própria sucessão.
Se o Procurador Geral nos governos FHC, Geraldo Brindeiro, ficou conhecido como “engavetador-geral” por barrar o curso das ações contra o ex-presidente, Gurgel bem poderia ser chamado de “usurpador-geral”, pelo poder transtornado que se atribuiu de deformar a partição dos poderes e a postura de inquisidor, em troca dos incensos da mídia conservadora.
Seu último ato, portanto, é “coerente”: uma violência contra a serenidade da instituição.
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