Posso falar sobre a Grécia outra vez? Na última coluna, sábado retrasado, resolvi sair em defesa dos gregos. Hoje faço o mesmo, mas de um ângulo diferente e com um propósito mais amplo.
Começo com a entrevista recente do cineasta francês Jean-Luc Godard ao jornal “The Guardian”. Eis a solução de Godard para a crise da Grécia: “Os gregos nos deram a lógica. E nós temos uma dívida com eles. Foi Aristóteles quem inventou o grande ‘logo’.
(…) Se a cada vez que usarmos a palavra ‘logo’ tivermos que pagar 10 euros à Grécia, a crise acabará em um dia e os gregos não serão obrigados a vender o Parthenon aos alemães. (…) Toda vez que Angela Merkel disser aos gregos: nós emprestamos todo esse dinheiro a vocês, logo vocês têm de nos pagar de volta com juros, ela terá logo de pagar primeiro royalties a eles.” Assim falou o renomado cineasta francês e soltou uma gargalhada homérica.
A boutade de Godard dá o que pensar. Devemos muito à Grécia antiga, não há dúvida. Foi lá que começou a chamada filosofia ocidental, muito antes de Aristóteles. Mas, coisa curiosa, num sentido mais fundamental, o Ocidente distanciou-se da filosofia, parece tê-la esquecido e abandonado.
É uma antiga preocupação minha. O meu primeiro artigo de jornal, publicado no “Jornal de Brasília”, quando eu tinha uns 19 ou 20 anos, reclamava do abandono da filosofia nas universidades do Distrito Federal. Desde então, verifico com tristeza que o problema se generalizou no Ocidente, mesmo nos países desenvolvidos. Gerações inteiras, a minha inclusive, afastaramse da filosofia e, diria mesmo, desaprenderam a pensar. Pequeno problema: a minha geração é que está no poder atualmente; é ela que dá as cartas em toda parte, inclusive nos países desenvolvidos que estão no epicentro da crise econômica.
Pasquale Cipro Neto publicou há poucos dias um artigo na “Folha de S.Paulo” intitulado “Que falta fazem as aulas de filosofia…”, no qual lembra que são os bons filósofos e professores de filosofia que nos ensinam a ler e a raciocinar logicamente.
Nós, brasileiros, somos reconhecidamente subdesenvolvidos natos e hereditários. Ainda que estejamos melhorando e superando os nossos complexos e limitações, não há como negar que ainda temos muito chão pela frente. E, no entanto, leitor, mesmo um brasileiro, como eu, subdesenvolvido de quatro costados, tem o direito de se espantar com a confusão que estão aprontando os países desenvolvidos.
A presidente Dilma Rousseff, em seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, fez referência a esse problema. “Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. Se me permitem dizê-lo, o problema é a falta de recursos políticos e de clareza de ideias.”
Clareza de ideias. Esse é um ingrediente fundamental, e nem sempre lembrado, para a superação da crise. Aqui nos Estados Unidos, a regressão intelectual de grande parte do debate público e político é simplesmente impressionante. Na Europa, os principais países não conseguem organizar uma abordagem minimamente coerente para a crise na área do euro.
Mas tanto os americanos como os europeus, e principalmente os europeus, parecem ter dificuldade em aprender com a crise, em reorganizar as suas ideias e mudar de atitude. Na relação com os emergentes, por exemplo, os desenvolvidos ainda não superaram certos cacoetes. Continuam autossuficientes e, não raro, arrogantes. Em alguns momentos, os governos dos países desenvolvidos e as instituições por eles controladas, como o FMI, ainda se sentem em condições — quase na obrigação — de fazer recomendações aos outros países.
“White man’s burden” (o fardo do homem branco), na célebre expressão de Kipling. Eles continuam, como diria Nelson Rodrigues, “muito abertos ao monólogo”
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