Matéria adaptada do artigo “A ganância vitima o Morumbi” da edição nº 601 da Carta Capital
Desde 16 de junho São Paulo está sem estádio para abrigar os jogos da Copa de 2014, a CBF comunicou que o projeto de reforma do Morumbi foi descartado. O importante é que o representante da FIFA admitiu que o veto partiu da CBF e não da entidade internacional. A justificativa de Ricardo Teixeira é que o São Paulo Futebol Clube, não apresentou as garantias necessárias para a execução de um projeto orçado em 650 milhões de reais. O time paulista alega ter encaminhado um projeto substituto, de 250 milhões de reais, que nem sequer chegou a ser analisado. Se a razão do veto é a falta de garantias, não seria o caso de pedir que a CBF apresentasse as garantias oferecidas pelos outros 11 estádios ou cidades escolhidas para receber os jogos de 2014?
A exclusão do Morumbi não parece ser apenas mais um round da velha queda de braço travada entre Juvenal Juvêncio, presidente do clube, e Ricardo Teixeira. Uma nota publicada pela Folha de S.Paulo descreve a visita de Gilberto Kassab à fazenda do presidente da CBF, onde eles teriam examinado o esboço do projeto “Piritubão”, novo estádio que seria construído para sediar a abertura da Copa, orçado em 1 bilhão de reais. Somados os investimentos no entorno, incluindo hotéis e centro de convenções, o valor chega a 6 bilhões. O encontro teria sido articulado pelo empresário J. Hawilla, amigo de Teixeira e dono da Traffic, que agencia jogadores e atua em marketing esportivo.
Por meio da assessoria de imprensa, Hawilla nega ter participado de qualquer reunião com Kassab ou Teixeira para tratar desse assunto. Também refuta a informação de que teria visitado a fazenda do presidente da CBF na companhia do prefeito.
Kassab, por sua vez, confirmou o encontro com o cartola da CBF. Afirmou, porém, que a reunião ocorreu há um ano e meio, quando admite ter discutido a respeito dos estádios cotados para abrigar os jogos do mundial. “Fizemos e faremos de tudo para que o Morumbi seja a sede de abertura, mas infelizmente as coisas não caminharam como esperávamos”, afirmou à imprensa, pouco depois de ressaltar que a prefeitura não está disposta a investir dinheiro público na construção de um novo estádio.
Indignado com a exclusão do Morumbi, o presidente do São Paulo afirmou que o novo projeto de reforma apresentado pelo clube atendia a todas as exigências da Fifa. Em comunicado oficial, Juvêncio criticou a “hipótese na qual o poder público viesse a realizar investimentos voltados a prover infraestrutura com a finalidade de agregar valor a uma arena administrada como um ‘negócio’, gerenciado com a finalidade principal de gerar lucro em favor de ‘empreendedores’ particulares”.
A novela da candidatura do Morumbi começou no início de 2009, quando o primeiro projeto de reforma, assinado por Ruy Ohtake e orçado em 135 milhões de reais, foi descartado. O clube voltou a apresentar outras três opções mais caras, prevendo a cobertura do estádio e novas intervenções. Para tanto, contratou o escritório alemão de arquitetura GMP, que projetou a reforma de três estádios para a Copa de 2006 e três para a de 2010.
Em conversa reservada, um integrante da diretoria são-paulina afirmou que o comitê organizador impôs obstáculos à opção do Morumbi desde o início. A cada nova planta apresentada, surgiam mais exigências do grupo chefiado por Teixeira, que teria imposto ao clube o projeto de 650 milhões de reais. Sem investidores ou garantias financeiras, o São Paulo tentou ainda uma sexta opção, ratificada pelo comitê paulista. Teixeira não quis avaliá-lo.
Além disso, ainda de acordo com o dirigente são-paulino, durante as negociações com o clube, investidores afirmaram que já haviam sido procurados por J. Hawilla. O empresário estaria interessado em criar um fundo privado para a construção de uma nova arena em São Paulo, capaz de abrigar os jogos da Copa. Tudo com o aval do amigo Teixeira.
De acordo com Mauro Holzmann, diretor de novos negócios da Traffic, a informação não procede. “Nossa empresa é uma prestadora de serviços. Limita-se à venda de espaços publicitários nos estádios e de camarotes e cadeiras especiais. Além disso, temos um contrato de exclusividade com a WTorre,- responsável pela construção da arena do Palmeiras, que nos impede de fazer esse tipo de negócio com outro clube paulista ou da Baixada Santista.”
Na avaliação do deputado federal Silvio Torres (PSDB-SP), presidente da subcomissão na Câmara para a fiscalização da Copa, as exigências para a reforma do Morumbi foram muito maiores que as impostas a outros estádios brasileiros e, também, aos da Copa da Alemanha e da África do Sul. “Está claro que foi uma decisão política, e não técnica. O São Paulo teve razão em não aceitar esse projeto de 650 milhões de reais, que é um valor absurdo”, afirma. “É muito suspeito que essa decisão tenha sido divulgada enquanto a atenção de todos está voltada para outra Copa.”
A mesma suspeição foi manifestada pelo presidente Lula. “Eu não acredito que um estádio rico como o do São Paulo, que já coube 100 mil pessoas, não sirva para a Copa. Realmente, eu acho estranho”, afirmou Lula, que chegou a visitar o Morumbi ao lado de dirigentes são-paulinos, manifestando apoio à candidatura.
Com a exclusão do Morumbi, não existem estádios de pé em São Paulo que tenham condições de promover o jogo inaugural. Tombado pelo Patrimônio Histórico, o estádio municipal do Pacaembu não pode sofrer grandes intervenções em sua estrutura. A Arena Palestra, do Palmeiras, tem previsão de ser inaugurada em 2012, antes da Copa das Confederações. O estádio terá, porém, capacidade para abrigar apenas 45 mil torcedores, ao passo que a Fifa exige, no mínimo, 65 mil lugares na abertura.
Diante do impasse, restam duas alternativas: a construção de um novo estádio na capital paulista ou a transferência da abertura para o Maracanã, no Rio de Janeiro, que já deve receber o jogo de encerramento. Isso porque apenas essas duas cidades possuem uma rede hoteleira e de infraestrutura capaz de receber os turistas e torcedores de acordo com as determinações da Fifa.
Resta saber se, na hipótese de a primeira opção vencer, os governos municipal e estadual manterão a promessa de não injetar dinheiro público num projeto que, ao que tudo indica, deve beneficiar interesses privados. Ou pior: de patrocinar mais um elefante branco que corre o risco de ficar ocioso após o mundial, a exemplo do Engenhão, no Rio, erguido para o Pan-Americano de 2007.
Só para lembrar, estima-se que a Copa na África Sul deixou para a economia do país 4,9 bilhões de dólares, equivalente a 0,4% do PIB. Só que o governo central e as províncias que receberam os jogos tiveram de desembolsar mais de 6 bilhões de dólares em investimento. No fim das contas, o prejuízo foi de 1,1 bilhões, a ser pago pela população durante os próximos 10 anos e grande parte desse resultado veio da construção dos estádios que tornaram-se verdadeiros elefantes brancos.
Fonte: Carta Capital
por Gustavo Menna
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