O Diário do Pará se desculpou, ontem, pelo fato de ter publicado a foto de um hospital de Honduras como se fosse da Santa Casa.
Agiu muito bem.
O ato de pedir desculpas, principalmente na capa, não é comum na imprensa brasileira.
Em geral, os jornais preferem omitir o erro porque acreditam que, ao admiti-lo, perderão credibilidade.
Um amigo que trabalha no Diário me disse que as imagens foram recebidas de uma fonte, até então confiável.
E que o jornal não teve condições de checar a autenticidade, porque estaria praticamente proibido de entrar na Santa Casa.
No entanto, isso não “apaga” um erro elementar: publicar imagem tão grave (crianças dentro de caixas de papelão) se não havia condições de checá-la.
Esse tipo de cuidado é essencial para evitar “barrigadas”, a que, na verdade, estão sujeitos todos os veículos de comunicação do mundo.
No Brasil, há casos famosos – e só para ficar no Brasil.
Um deles foi a publicação, pela Folha de São Paulo, em 2009, de um documento falso: uma suposta ficha do Dops da hoje presidenta da República, Dilma Rousseff.
Mais remotamente, em 2000, o Correio Brasiliense se desculpou, em manchete de capa, por uma reportagem incorreta.
Outra história falsa, que, aliás, foi reproduzida pelos principais jornais do país, foi a daquela brasileira que teria perdido o bebê depois de ter sido espancada por neonazistas, na Suíça.
Há inúmeros casos desse tipo, alguns mais nocivos do que outros (ou alguém já se esqueceu da Escola de Base?).
Daí a importância de redobrar os cuidados na checagem das informações.
Isso impedirá que a imprensa erre? Não.
Mas ajudará a que erre menos e de maneira menos complicada.
Vale destacar, no entanto, a atitude do Diário, até por ser incomum: o jornal se desculpou, e se desculpou na capa.
E isso é, sim, um ponto a seu favor.
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No entanto, há outras questões nesse episódio que também merecem ser analisadas.
Uma foi a tentativa de desqualificar a totalidade do jornal, a partir dessa foto falsa.
Só eu contei umas 20 postagens nas redes sociais (a metade escrita por jornalistas ligados à assessoria de imprensa do Governo ou à Griffo) com a mesma linha de ataque: o jornal não merece credibilidade e só publicou a foto e a reportagem porque o PSDB rompeu com o PMDB.
A verdade, porém, é que o Diário já vem publicando há algum tempo uma série de reportagens sobre o caos da saúde no Pará.
E essas reportagens, ao que parece, são, sim, verdadeiras.
As denúncias não são feitas por algum “Zé Mané”, mas, por profissionais de saúde e até pelo presidente do Sindicato dos Médicos.
E são corroboradas por matérias de outros veículos de comunicação, que vêm mostrando a situação aflitiva de todo o setor, e não apenas da Santa Casa.
Daí que se aproveitar daquela foto para tentar esconder a realidade não é apenas oportunismo: é um desserviço à sociedade.
E um profundo desrespeito ao bem maior em jogo: a vida humana.
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A entrevista do governador Simão Jatene, na tarde de anteontem, foi uma das coisas mais absurdas que já assisti, em mais de 30 anos de Jornalismo.
Em primeiro lugar, Jatene não foi apenas grosseiro com a repórter da TV RBA que tentava entrevistá-lo: ele foi, na verdade, um covarde.
Ele se aproveitou da condição de governador e de estar cercado por um monte de empregados, para humilhar aquela jornalista, ao vivo e em cores.
Como se aquela repórter, uma trabalhadora assalariada, fosse culpada pela publicação daquela foto, ou até pelo caos da Saúde.
Lá pelas tantas, ele até afirmou, mais ou menos assim: “Eu gostaria que fosse um deles que estivesse aqui!”, provavelmente se referindo aos diretores do Diário do Pará.
E eu pensei comigo: É, eu rrrealmente gostaria de ver toda essa “valentia”, se estivesse diante dele não um simples repórter, mas, os diretores do jornal.
Não foi a primeira vez que Jatene agiu assim em relação a um jornalista.
Em 2006, eu saía de uma entrevista, salvo engano no CIG, e estava à espera do carro do jornal, quando Jatene atravessou o pátio e se colocou às proximidades de onde eu estava.
Ele então começou a falar em voz alta com um monte de PMs que o rodeavam, enxovalhando as reportagens que eu escrevia, sem ter nem mesmo a dignidade de se dirigir diretamente a mim.
E eu pensei comigo: “Égua do sujeito “corajoso”, né não?”
Por isso, lamento não apenas a falta de compostura do governador.
Mas o fato de algumas pessoas, inclusive jornalistas, ainda tentarem justificar tamanho desequilíbrio, desrespeito e violência a partir das perguntas da repórter da RBA.
Nada justifica a atitude de Jatene. Nada.
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As declarações de Jatene naquela coletiva também impressionam pela hipocrisia, no limiar do delírio e da esquizofrenia.
Ele criticou os grupos que ainda se acreditam capazes de “impor uma realidade”, a partir do poder político e econômico.
Disse estar “indignado” com a tentativa de “manipular a sociedade”.
Citou, em defesa da administração da Santa Casa, a declaração de um representante do Ministério da Saúde de que a “vulnerabilidade social” é que está na origem da maioria das mortes de bebês naquele hospital.
E depois de apresentar os supostos investimentos em saúde de seu governo como “um esforço muito superior ao que há muito tempo se faz nessa área”; e de rasgar elogios ao Propaz, que é, por sinal, comandado pela filha dele, saiu-se com esta:
“É claro que nada disso faço na busca de autoelogio!”
(Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk)
Em primeiro lugar, ao criticar a manipulação da sociedade e a tentativa de impor uma realidade através do poderio político e econômico, Jatene parece ter se esquecido dos impressionantes gastos em propaganda de seu governo: cerca de R$ 40 milhões por ano.
Tudo para impor uma realidade, manipular a sociedade, levando a população a acreditar em um Pará “lindinho” que só existe naquele bunker da Perebebuí chamado Griffo Comunicação.
No domingo passado, um policial foi morto com três tiros na cabeça quando voltava pra casa, em Belém, simplesmente porque estava fardado.
Enquanto isso, haja propaganda de carros, e de coletes, e de armas que teriam sido entregues à polícia, num estado em que nem mesmo um policial está a salvo de ser assassinado em plena luz do dia.
Num estado em que até a Secretaria de Segurança já foi assaltada em pleno centro de Belém, em plena luz do dia.
Num estado onde meninos andam de arma em punho, em vez de estarem na escola.
E o que impressiona é o perobal.
Há pouco, assisti uma reportagem na TV, mostrando as filas enormes que os pacientes do hospital Ofir Loyola, pacientes com câncer, têm de enfrentar para conseguir tratamento.
E fiquei impressionada com a resposta da direção do hospital, que disse mais ou menos assim: “ah, essas filas estavam desse jeito porque foi um dia atípico”.
Dia atípico?
E as filas que dia sim, dia não, os jornais e as TVs mostram naquele hospital também são “atípicas”?
Gente doente a dormir no chão, que nem bicho, porque não tem dinheiro pra se tratar dessa doença terrível e tem de suportar tamanha humilhação.
Gente que não se chama nem Jatene, nem Bezerra, mas que tem direito à vida, à saúde e à dignidade, sim.
Mas a maior infelicidade de Jatene, nessa coletiva, foi ter se amparado na declaração do representante do Ministério da Saúde, que atribuiu à vulnerabilidade social a maioria das mortes na Santa Casa.
De fato, muitos daqueles bebês que morrem ali, morreriam até em um hospital da Dinamarca.
Muitos nascem tão doentes, tão pequeninos que só pela misericórdia de Deus é que poderão sobreviver.
No entanto, essa vulnerabilidade não se resume à condição de pobreza dessas mães e bebês, nem é reflexo apenas “de um país profundamente desigual” como disse Jatene, para se eximir de qualquer responsabilidade.
Essa vulnerabilidade abrange a falta de acesso à Saúde e a um serviço básico como é o pré-natal.
Quantos desses bebês poderiam ter sobrevivido, se a Atenção Básica funcionasse?
“Ah, mas a Atenção Básica é municipalizada!”
Sim, mas isso não quer dizer que o Governo possa agir como Pôncio Pilatos: simplesmente fazer de conta que não tem nada a ver com isso, enquanto essas crianças continuam a morrer.
O Governo do Estado tem o DEVER de chamar as prefeituras, coordenar a Atenção Básica e até repassar dinheiro para ajudar os municípios.
Não adianta só inaugurar hospital: tem é que fazer a Atenção Básica funcionar.
E não adianta só falar em descentralização do atendimento, se os hospitais regionais não funcionarem de verdade.
Por isso, quando vi Jatene se escudando na pobreza dessas mães e bebês, até pensei comigo: égua, parece até que ele não é o governador do Pará.
Porque ainda que vulnerabilidade social se resumisse à condição de pobreza, ainda assim, Jatene teria uma parcela enorme de responsabilidade nessas mortes.
Afinal, onde é que estão as políticas de combate à pobreza do seu Governo?
Onde está o resultado do planejamento que ele comandou ao longo de 12 anos, entre 1995 e 2006, e que voltou a comandar desde 2010?
Quer dizer que aquela história de mudança da base produtiva; de “dividir o bolo enquanto ele está a crescer”; de melhorar a qualidade de vida, era tudo farol, lári-lári, enrolação?
Jatene não chegou hoje ao comando do estado.
Bem vistas as coisas, ele e o grupo dele comandam o Planejamento do Pará desde pelo menos o início da década de 1980.
Sim, porque entra governo, sai governo e os técnicos dessa área são os mesmos: todos da antiga Seplan, de onde também veio Jatene.
E tenho minhas dúvidas se até no Governo do PT não foram esses mesmos técnicos a comandar o Planejamento do Pará.
Então, cadê o resultado?
O pior é que estamos a falar de criancinhas, mulheres grávidas, pacientes com câncer, gente fragilizada – e é isso o que mais dói.
E enquanto essas pessoas sofrem e morrem, no corredor, na porta dos hospitais; enquanto dormem no chão à espera de um exame, de uma consulta, o governador só se preocupa é em convocar coletiva, pra esculhambar repórter e jornal.
Lamentável. Simplesmente, lamentável.
FUUUUUIIIIIIII!!!!!!!
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