BLOG DO VICENTE CIDADE

Este blog tem como objetivo falar sobre assuntos do cotidiano, como política, economia, comportamento, curiosidades, coisas do nosso dia-a-dia, sem grandes preocupações com a informação em si, mas na verdade apenas de expressar uma opinião sobre fatos que possam despertar meu interesse.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O papa Francisco pregou no deserto em Davos?

Nº EDIÇÃO: 849 | 24.JAN.14 

O cardeal Turkson, emissário do papa em Davos: oito minutos de desconforto para os mais ortodoxos presentes ao Fórum deste ano (Por Márcio Juliboni)

por Márcio Juliboni

Nos últimos anos, o discurso de abertura do Fórum Econômico Mundial, realizado na cidade suíça de Davos, transformou-se em um palco para alguns dos homens e mulheres mais poderosos do planeta trocarem acusações sobre quem é, afinal, responsável pela crise que corrói a economia global desde 2008. Em 2011, por exemplo, o presidente da Rússia, Dmitry Medvedev, aproveitou o convite para negar que seu país fosse corrupto e fechado a investimentos estrangeiros. Além disso, responsabilizou os países desenvolvidos – os Estados Unidos à frente – pelos problemas globais e exigiu mais espaço para os emergentes.

Um ano depois, a chanceler alemã, Angela Merkel, ocupou o mesmo espaço para puxar a orelha dos demais países europeus, que, segundo ela, não estariam se esforçando o bastante para merecer o socorro da Alemanha. Por isso, ao convidar o papa Francisco para abrir os trabalhos deste ano, o organizador do Fórum, Klauss Schwab, promoveu uma tentativa e tanto de mudar o tom da tradicional reunião e focá-la em temas mais humanos e menos técnicos. Como se sabe, o papa não compareceu ao encontro, preferindo enviar um representante: o cardeal ganês Peter Turkson, presidente do Pontifício Conselho de Justiça e Paz do Vaticano.

Ao apresentá-lo aos 2.500 presentes na abertura do Fórum, Schwab recorreu a expressões que poderiam ser ditas por jovens idealistas. O veterano dos debates globais pediu que as pessoas levassem para as mesas-redondas não apenas seus cérebros, mas também suas “almas, corações e compaixão”. A mensagem do papa Francisco manteve-se na mesma linha. Os oito minutos que Turkson levou para lê-la causaram calafrios nos economistas, financistas e empreendedores mais ortodoxos. O pontífice de formação franciscana criticou duramente a exclusão social e cobrou empenho dos líderes mundiais na promoção de maior igualdade.

“É intolerável que milhares de pessoas continuem morrendo todos os dias de fome”, afirmou, sem rodeios, em um dos momentos mais contundentes. O que chama a atenção, contudo, não são as fortes palavras do papa Francisco, mas o silencioso desconforto com que foram recebidas pela plateia. Um correspondente do jornal britânico The Guardian, presente à abertura, chegou a afirmar que muitos respiraram aliviados quando Turkson concluiu sua participação e a cerimônia seguiu com a entrega de um prêmio ao ator americano Matt Dammon por seus esforços para levar água a populações carentes, por meio de sua ONG.

Tampouco, líderes importantes da política e dos negócios gastaram sequer dois minutos de seu coffee break para comentar o discurso do papa Francisco, que repercutiu apenas pela imprensa. Apesar da neve, o líder da Igreja Católica pregou no deserto? Semeou em terreno pedregoso? De concreto, o que se viu foi uma espécie de esquizofrenia em Davos. Por um lado, os organizadores esforçaram-se por incluir a justiça social na pauta. Os textos divulgados como preparativos do evento destacaram a necessidade de mudanças profundas na ordem econômica mundial.

Citaram a desigualdade como um risco para a estabilidade global e sugeriram a adoção de políticas públicas inclusivas. Clamavam por um novo modelo de desenvolvimento. De outro, a maior parte dos presentes voltou seus olhos para os problemas – e as respostas – de sempre. Uma pesquisa da consultoria PwC com 1.344 líderes empresariais, realizada para o encontro, mostrou que sua maior preocupação hoje é a capacidade de os países controlarem as contas públicas e criarem um ambiente de negócios seguro. Trata-se de algo distante do apelo mais enfático do papa: o de que a riqueza deve servir à Humanidade, e não controlá-la.

Nenhum comentário:

Postar um comentário