Na mira do investidor estrangeiro
Apesar do mau humor dos mercados com a economia, o Brasil continua no centro da estratégia das multinacionais
Por Ana Paula RIBEIRO e Luciele VELLUTO
Embora sem a relevância e o charme de outrora, quando reunia num mesmo ambiente Bill Clinton e Paulo Coelho, Sharon Stone e George Soros, Bill Gates e Lula, o Fórum Econômico Mundial conseguiu atrair 2.500 pessoas de vários países para a gelada estação de esqui de Davos, na Suíça, na semana passada, para discutir as mazelas do capitalismo global. A presença de 39 chefes de Estado serviu de isca para atrair banqueiros, investidores, economistas e empresários de vários países, dos quais três chamaram especial atenção: Dilma Rousseff e os primeiros-ministros David Cameron, do Reino Unido, e Shinzo Abe, do Japão.
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Eles querem segurança: agente protege os participantes do Fórum Econômico Mundial, na Suíça
Rodeada por muita neve e uma grande expectativa sobre sua mensagem sobre os rumos do Brasil, Dilma desembarcou em Davos na sexta-feira 24 com a missão de melhorar o humor dos donos e gestores do capital, que andam desconfiados de sua política econômica e podem atrapalhar seus planos de reeleição, em outubro. “O Brasil precisa e quer a parceria com o investimento privado nacional e externo”, disse ela. “O Brasil convida todos a essa parceria.” Fez muito bem. É preciso defender a boa posição do País na arena global, conquistada a duras penas nos últimos 20 anos. A defesa de Dilma durou 37 minutos e foi repleta de números econômicos e sociais.
Ela garantiu que a estabilidade da moeda e a responsabilidade fiscal estão entre as suas prioridades, assim como a melhora da infraestrutura e a redução da burocracia. Ela lembrou a evolução da classe média brasileira, os pesados investimentos em mobilidade urbana, feitos em parcerias com o setor privado, além dos programas em educação e habitação. “Um novo ciclo de crescimento mundial está em gestação. À medida que a crise vai se dissipando, um novo olhar mais atento sobre os emergentes ganha fôlego. Com a estratégia de longo prazo, com investimento em infraestrutura e educação, esperamos sair melhor”, afirmou.
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Dilma Rousseff, falando a investidores em Davos: "O Brasil precisa
e quer a parceria com o investimento privado nacional e externo"
“O Brasil é hoje uma das mais amplas fronteiras de oportunidades de negócios.” É verdade e a plateia de Davos sabe disso. Dois dias antes da chegada de Dilma aos Alpes, uma pesquisa da consultoria PwC mostrou que o Brasil continua no topo das prioridades das multinacionais. Os presidentes de 1.300 empresas, diante de uma pergunta sobre quais são os três países estrangeiros mais importantes para o crescimento de suas companhias nos próximos 12 meses, mencionaram o Brasil em 12% das respostas. A China ficou com 33%, os EUA com 30% e a Alemanha, com 17%. Embora o índice do Brasil tenha caído três pontos percentuais sobre a pesquisa do ano anterior, o País ficou à frente do Reino Unido (10%), do Japão (7%), da Rússia (7%), da Índia (7%) e do México (5%).
Se aqui o crescimento econômico tem frustrado as expectativas, a inflação resiste em caminhar para o centro da meta de 4,5% ao ano e a saúde das contas públicas tem sido questionada, o que explica a preferência do Brasil pelos CEOs globais? Motivos não faltam. Uma justificativa pode ser uma questão de referência. Crescer 2% ao ano é pouco para um país emergente, mas é um bom desempenho, se comparado com economias maduras, que se esforçam para sair da letargia desde a crise global de 2008. Além disso, há uma gama de fatores conjunturais muito atraentes. O principal é o amplo mercado consumidor.
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Vasco Campos, diretor da Sovena: "A parte positiva na economia é que há
um consumidor mais informado e exigente no Brasil"
Com mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil oferece uma escala de negócios nem sempre presente em países com indicadores econômicos mais saudáveis. Um segundo fator são os recursos naturais abundantes, que garantem não só a geração de empregos diretos na exploração de jazidas ou terras para agricultura, mas também em toda a cadeia em volta desses negócios. Não por acaso o País é um dos maiores fabricantes de máquinas agrícolas do mundo. “Ao se observar esses dois pontos, o Brasil tem um poder de atração muito grande aos olhos dos estrangeiros”, diz Cláudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B.
Como a população brasileira se beneficiou nos últimos anos do aumento da renda e do crescimento do crédito, a expectativa é de que, apesar do ritmo menor, a expansão continuará. “Ninguém quer ficar de fora do País”, afirmou, em Davos, o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. Em encontro reservado com investidores, o vice-presidente do Itaú Unibanco, Ricardo Villela Marino, disse que a classe média representará 75% da população do País até 2016. Hoje, essa parcela é de cerca de 60%. Por mais que a projeção pareça excessivamente otimista, o fato é que a nova classe média continua se fortalecendo e atraindo investimentos.
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José Varela, presidente da 3M no Brasil: "A redução da corrupção aumenta a
competitividade e traz mais transparência"
“A menos que ocorra uma deterioração muito dramática na área macroeconômica, o Brasil ainda vai atrair muito investimento estrangeiro direto”, afirma Frischtak. No ano passado, o volume de IED chegou a US$ 64 bilhões. Em 2012, foram US$ 65 bilhões no mesmo período. Além dos fatores econômicos, a democracia consolidada também ajuda. “Os estrangeiros querem um lugar razoavelmente estável do ponto de vista político e com oportunidade de crescimento”, diz Paulo Vicente Alves, professor de estratégia da Fundação Dom Cabral. “A África tem grandes oportunidades de crescimento, mas a questão política é muito complicada.”
Obviamente, muito precisa ser feito para o Brasil melhorar a atratividade do capital externo. O País não é visto como uma base exportadora por uma série de problemas, como alta carga tributária, excessiva burocracia e infraestrutura de transportes ineficiente. “Isso vai melhorar à medida que o governo reduza as proteções, como os impostos de importação”, diz Alves. Na busca por oportunidades, o investidor estrangeiro se depara com uma situação curiosa. De um lado, economistas e analistas pessimistas com os rumos da economia do Brasil.
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Luca Lisandroni, CEO da Luxottica: "A economia é estável, atraente
e, para o nosso setor, está em franco crescimento"
Do outro, uma presidenta que está recuperando sua popularidade (56% na última pesquisa CNI/Ibope), em boa parte por conta dos ganhos enxergados pela população, como o aumento da renda (veja infográfico acima). Para muitos executivos de companhias globais, o copo do País está meio cheio, e não meio vazio. A julgar pelas entrevistas de alguns importantes CEOs locais à DINHEIRO, a maior parte superou os obstáculos e está satisfeita com os resultados alcançados. No segmento de bens de consumo, por exemplo, o otimismo é grande. Para Luca Lisandroni, CEO da fabricante italiana de óculos Luxottica, o investimento que a companhia tem feito no Brasil – € 150 milhões desde 2011 – reflete essa expectativa.
“Fizemos a modernização do nosso parque fabril no País”, diz. “Isso só foi possível porque a economia é estável, atraente e, para o nosso setor, está em franco crescimento”. No curto prazo, eventos como a Copa do Mundo o animam ainda mais. E o que falta para acelerar o crescimento? Burocracia, infraestrutura deficiente e protecionismo são fatores que interferem no desenvolvimento. “Fazer negócios no Brasil é mais complicado do que em qualquer outro país.” A burocracia excessiva também é apontada por José Varela, presidente da americana 3M, como um problema a ser resolvido. Mas ele comemora os esforços para a redução da corrupção.
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Bernoit D'Iribarne, presidente da Saint-Gobain: "A construção deve
ser beneficiada com as obras geradas pelas eleições"
“Ajuda a aumentar a competitividade e traz mais transparência para as operações”, diz. Para o executivo, as concessões ao setor privado têm ajudado a trazer melhorias para os serviços, alavancando o desenvolvimento. Falta ainda reduzir a inflação (que insiste em ficar em torno de 6% ao ano) e os impostos e aumentar os acordos de livre comércio, sugere. Em 2013, apesar do fraco desempenho do PIB (estimado em torno de 2%), a companhia teve um ano positivo, com crescimento de dois dígitos sobre o faturamento de R$ 2,8 bilhões do ano anterior. Em 2014, ele espera uma alta de 2,5% a 3% do PIB, o que deve melhorar o ambiente dos negócios para a empresa.
O aperto monetário do Banco Central, que elevou a taxa básica de juros para 10,5% em janeiro, é um ponto negativo no cenário da 3M. “Estamos preocupados com a inflação e a flutuação do câmbio”, afirma. “Isto tem provocado o aumento da Selic e, consequentemente, elevado o “custo Brasil”, diz Varella. Também é a elevação dos preços, que reduz o poder de compra das famílias, uma das principais preocupações de Vasco Campos, diretor da portuguesa Sovena, segunda maior fabricante de azeites do mundo e dona da marca Andorinha. Para o executivo, o modelo de crescimento dos últimos anos, pautado pelo consumo, está limitado. “A parte positiva é que o Brasil tem hoje um consumidor mais informado e exigente”, afirma.
Se há problemas, há também oportunidades. Para continuar a atrair investimentos, o País precisa reforçar o investimento em infraestrutura, aconselha. É o que tem feito o governo, como lembrou Dilma em Davos. É por acreditar que essas melhorias serão feitas que o presidente da francesa Saint-Gobain, Bernoit d’Iribarne, está otimista. “Nossos negócios são ligados ao mercado de construção, que deve ser beneficiado com as obras geradas por causa das eleições”, diz. Ele aprova o programa de concessões e o esforço em melhorar a infraestrutura do País. Uma coisa é certa: mesmo num ambiente desafiador, o Brasil não vai sair tão cedo da mira dos investidores.
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Colaborou: Carolina Oms
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